sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um sopro de otimismo?

A respeito das passeatas do dia 16, Hildergard Angel bem observou o comportamento dos manifestantes:


"Não teve briga, ninguém tentou linchar menor de rua ou senhoras idosas; não houve confrontos com skatistas, ninguém foi agredido por não vestir vermelho.

Nenhum cidadão ao microfone xingou ou desejou a morte a qualquer figura da oposição. Nem a chamou de “lixo humano” por pensar diferente. Enfim, foi uma passeata responsável, séria, grave até, mas sem perder a ternura e a alegria." 
(Hilldergard Angel)





Refletindo sobre isso e alguns episódios horripilantes nas passeatas a favor do Impeachment, me sucedeu um sentimento alegre com um sopro de otimismo.

Já fui em muita passeata em que meia dúzia de estúpidos de esquerda queriam "botar pra quebrar". Estupidez pela ineficácia do método, pelo desrespeito ao outro, pela violência gratuita, pelo radicalismo sem resultado...

Geralmente a violência "queima o filme"!!  

E o mais interessante é que recentemente tem também queimado o filme quando a instituição que detém o monopólio da força (o estado através das PM's) abusa no uso da violência. Isso não era assim até uns tempos atrás...

Junho de 2013 começou depois que a polícia desceu o porrete... Agora em 2015, Beto Richa e Alckmin também saborearam impopularidade por mandarem a PM botar pra quebrar contra professores e estudantes respectivamente...

Talvez, devemos levar em conta que a diminuição da adesão aos protestos golpistas também se deva aos excessos dos fanáticos do lado de lá....

Quem sabe estamos evoluindo enquanto sociedade? Dá medo o clima de linchamento entre vários impeachtmeiros, e não são poucos!!! Mas talvez, perderam apoio exatamente pela bestialidade como se comportaram em diversos episódios. Talvez, mesmo entre os a favor do Impeachment existam aqueles que repudiam a violência e o clima de guerra dos que conduzem as passeatas. Eu realmente não consigo pensar como alguém pode se alegrar vendo atos como este aqui, onde uma turba tenta linchar uma criança. É o ápice do ódio, da covardia, do medo... Não existe alegria ali, apenas raiva e ódio.

Já os atos do dia 16 foram tranquilos, pacíficos e sem a truculência e intolerância reinantes nas passeatas do dia 13...

A nossa sociedade é complexa, dividida, ainda bem preconceituosa e conservadora, etc...E é bem possível que tudo isso tenha crescido a partir de 2013. Mas talvez tenha atingido o seu ápice e não esteja mais suscetível de abraçar massivamente bandeiras de 64 e/ou radicalismos de direita e soluções na base do porrete.

Ao final, ponto para as forças democráticas e para a forma como foram conduzidas as passeatas.

domingo, 30 de agosto de 2015

Imposto sobre Herança. A hora é essa!

O imposto sobre herança/doação faz parte da estrutura tributária de diversos países, ainda que outros tantos não prevejam sua aplicação ou a tenham abandonado em anos recentes, como aconteceu com Luxemburgo, Austrália, Áustria, Canadá, Israel, Suécia e Portugal, para citar alguns.

A opção por este tipo de imposto já foi mais intensa em países desenvolvidos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando se firmaram as estruturas do chamado estado de bem estar social. Em 1965, a participação de impostos sobre herança/doações como porcentagem do total dos próprios impostos em países da OCDE era assim:

Comparativo % impostos sobre Herança/Doações dividido pelos Impostos Totais – Primeiras posições de países da OCDE – Período 1965
Fonte: OCDE, 2015.

A média da OCDE era de mais de 1% e os países de língua inglesa se destacavam nas primeiras posições, alcançando mais de 2% de representatividade do imposto na arrecadação total. Curioso, ainda, como países de características mais liberais ocupavam as primeiras posições. Contudo, após os ventos mais liberais da década de 80, houve uma queda contínua em praticamente todos os países, sendo que alguns chegaram a eliminar a previsão do imposto.

Sintomática dessa queda na representatividade do imposto foi a variação considerável nas alíquotas superiores cobradas em países mais desenvolvidos, como EUA e Reio Unido, conforme demonstra Piketty (2014).

Fonte: PIKETTY, 2014.

O interessante dessa guinada é que todas essas modificações não foram suficientes para nem de perto aproximar as estruturas tributárias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. No primeiro caso continua predominando impostos sobre patrimônio e renda, enquanto no segundo caso tende a prevalecer impostos sobre o consumo, os quais inevitavelmente penalizam os mais pobres. 

Por exemplo, em 2012, os países que mantiveram a opção por cobrar o imposto sobre herança/doações, continuavam tendo patamares de arrecadação consideravelmente maiores que os do Brasil.

Comparativo % impostos sobre Herança/Doações dividido pelos Impostos Totais – Brasil X OCDE – 2012

Fonte: BRASIL, 2013; OCDE, 2015.

Por levar em conta diversos países que não possuem mais a previsão deste imposto, a média da OCDE fica apenas 33% acima do Brasil como proporção da própria receita. A partir de Luxemburgo, a representatividade dobra em relação ao país. Desde a Finlândia chega a quase o triplo. França, Japão e Coréia possuem uma representatividade da herança/doação quase quatro vezes maior. Por último, a Bélgica se destaca com quase sete vezes mais do que o Brasil. Interessante ainda notar que esse patamar de representatividade de herança/doação da Bélgica estaria apenas em 7º lugar no ranking feito para o ano de 1965.

Da mesma forma, as alíquotas máximas prevista nestes países são bem maiores do que as previstas no Brasil.

Comparativo alíquotas máxima ITCD Brasil X Países da OCDE

Vale lembrar que até o ano de 2014, a alíquota máxima de 8% prevista pelo Senado Federal era aplicada apenas por Bahia, Ceará e Santa Catarina. Minas Gerais e Pernambuco exerciam 5%, enquanto os outros vinte e dois estados da Federação instituíram alíquota máxima de até 4%. Ademais, 20 estados não previam qualquer tipo de progressividade, aplicando uma alíquota única, como é o caso de Minas Gerais.

Destarte, fica claro que, comparativamente, o Brasil possui uma baixa taxação sobre as heranças e doações e que um dos motivos para isso está nas baixas alíquotas existentes, as quais estão muito distantes dos patamares praticados em países mais desenvolvidos.

E eis que no atual cenário de crise econômica internacional, recessão no Brasil, crise política e ajuste fiscal infrutífero surgem propostas a favor do aumento da alíquota do imposto sobre herança. Já venho a tempos sugerindo que, acaso houvesse mesmo a necessidade de um ajuste fiscal, mais interessante teria sido fazê-lo a partir de aumento de receitas com taxação sobre o andar de cima. Ainda que os liberais sempre preguem que todo ajuste deva se dar sobre cortes de despesas, a fim de não prejudicar o empreendedorismo e os incentivos aos ditos setores mais produtivos, não são poucos os economistas nos dias de hoje que questionam essa premissa. Paul Krugman advoga que  o tradicional trade-off (escolher uma coisa em detrimento de outra ou "perde-ganha") entre crescimento x equidade esteja errado, podendo uma certa dose de igualdade ser mais benéfica para o crescimento do que desigualdades gritantes.

Da mesma forma, é também por isso que ajustes fiscais podem ser feitos a partir do aumento de arrecadação sobre os mais ricos. Fieldhouse (2013) é um a citar uma série de pesquisas econômicas a respeito de reduções de impostos ocorridas nos EUA, as quais sugerem que as reduções das taxas marginais de imposto de renda individuais, ocorridas no passado, tiveram impacto estatisticamente insignificante no crescimento e nos fatores de trabalho, poupança, investimento e crescimento da produtividade. Advoga o autor que a taxação do imposto de renda sobre os mais ricos dos EUA pode chegar perto de 70% sem afetar a atividade produtiva, obtendo ganhos na diminuição da desigualdade e do déficit público.

Talvez por isso que o período de maior crescimento da economia mundial, que foi após a Segunda Guerra Mundial, tenha também sido o período de maior crescimento na tributação progressiva e nos gastos com o bem-estar social na maioria dos países capitalistas ricos. O sul coreano Chang (2013) parece concordar com a tese:

"Apesar disso (ou, mais exatamente, em parte por causa disso), o período entre 1950 e 1973 presenciou as mais elevadas taxas de crescimento já vistas nesses países, e ficou conhecido como a “Era de Ouro do Capitalismo”. Antes da Era de Ouro, a renda per capita das economias capitalistas ricas costumava ter um crescimento de 1 a 1,5% ao ano. Durante a Era de Ouro, ela cresceu de 2 a 3% nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, 4-5% na Europa Ocidental e 8% no Japão." (CHANG, 2013)

Ademais, faz anos que escuto entre diversas correntes teóricas a necessidade de se ter uma estrutura tributária mais justa, fazendo valer a progressividade, com os ricos pagando proporcionalmente mais que os pobres. Ainda que essa tese seja mais comum entre partidos e correntes da esquerda, não é exclusividade dela. Mesmo liberais insuspeitos concordam com a necessidade de se montar uma engenharia tributária socialmente mais justa.  O próprio Fábio Giambiagi, porta-voz de diversas demandas liberais, com espaço garantido em qualquer veículo de comunicação para alertar contra o “déficit” da previdência ou qualquer pauta dos abastados, atesta em seu livro sobre finanças públicas:

"No que diz respeito à tributação sobre o patrimônio, é importante que se aumente a tributação da riqueza pessoal - principalmente tendo em vista a alta concentração de riqueza no Brasil. Ainda que se reconheça que a tributação do patrimônio é de difícil administração e gera uma arrecadação relativamente pequena, sua importância é, principalmente, a de compensar a regressividade da maioria dos componentes do sistema tributário" (GIAMBIAGI & ALÉM, p.270).

Talvez por isso que não surpreenda ver o próprio Renan Calheiros ser o protagonista a colocar efetivamente a ideia em pauta, incluindo-a na chamada Agenda Brasil. Interessante é que a proposta contém uma alíquota máxima 25%, o que seria um considerável aumento para os padrões brasileiros de tradicionalmente taxar apenas os mais pobres. Em seguida, os secretários de fazenda de diversos estados fortaleceram o coro à ideia. O triste nessa história é ainda não termos visto uma defesa mais contundente por parte dos setores que tradicionalmente levantavam essa bandeira. De maneira geral, a esquerda se contentou em repudiar toda a Agenda Brasil (com razão em diversos pontos), esquecendo-se dessa necessária mudança. Como o imposto sobre herança não exclui a ideia de um imposto sobre grandes fortunas, não há porque deixar de aproveitar essa oportunidade.

Bibliografia: 

FIELDHOUSE, Andrew. A review of the economic research on the effects of raising ordinary income tax rates. 2013. Disponível em: <http://www.epi.org/publication/raising-income-taxes/>. Acesso em: 9 jul. 2015.

CHANG, Ha-Joon. 23 coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo: os maiores mitos do mundo em que vivemos. São Paulo: Cultrix, 2013.

GIAMBIAGI & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

ORGANISATION DE COOPÉRATION ET DÉVELOPPMENT ÉCONOMIQUES – OECD. Revenue Statistics - Comparativetables. 2015. Disponível em: <https://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=REV>. Acesso em: 20 maio 2015.





quinta-feira, 9 de julho de 2015

Dilemas do Plano Real IV - Superávit Primário

O último pé do tripé é o superávit primário, o qual ganha proeminência na economia do setor público a partir de 1999. Basicamente, a filosofia subjacente ao superávit primário, é o Estado ter que mostrar ser de confiança junto aos agentes econômicos. O “mercado” se sentiria predisposto a investir, apenas a partir do momento em que o Estado mostre ser “responsável”, através de economias no setor público, as quais permitam estabilizar a relação Dívida/PIB e a partir daí cumprir com o pagamento dos títulos públicos que eles financiam.

Essas teorias se opõe às teorias keynesianas e advogam que ao invés da economia retrair com o ajuste fiscal, a economia se expandiria devido ao entusiasmo dos agentes racionais para com os cortes de gastos. A esse fenômeno dão o nome de contração fiscal expansionista, quando o mercado visualizaria sinais de "responsabilidade" do setor público e vislumbraria menos impostos futuros. Nesse sentido, o mercado aumentaria seus investimentos ainda que o mercado estivesse em contração...

Por sua vez, Oliveira (2012) resume a história dos ajustes e a lógica subjacente:

[...] a centralidade que adquirirá a política fiscal exigida no acordo com o FMI não foi mais do que a adequação do país às novas regras contempladas no paradigma teórico do capitalismo financeiro globalizado sobre a responsabilidade do Estado em assegurar as condições para a sustentabilidade da dívida; [...] (OLIVEIRA, 2012, p. 197).

Criou-se, então, uma fórmula para definir o superávit primário que equilibra a relação Dívida Pública/PIB.

 
   

i-taxa de juros.
d- Dívida Pública/PIB
y- Taxa de variação nominal do PIB
h- Superávit Primário como proporção do PIB
s- Senhoriagem como proporção do PIB.



Dessa forma, o superávit primário necessário para equilibrar a relação dívida pública/PIB é uma relação direta da taxa de juros e da própria relação dívida pública/PIB (d), e inversa do crescimento da economia. Isso quer dizer que quanto maior for a dívida e/ou a taxa de juros, mais recursos o governo terá que economizar para se comprometer com a despesa de juros. Por outro lado, se a economia estiver crescendo, o governo pode manter um déficit mais elevado sem pressionar d, já que o aumento do numerador é compensado pelo aumento do denominador. Por último, caso o governo se financie por emissão monetária, não haverá impacto na dívida pública, nem nos juros, tornando-se menor a necessidade de cortar gastos ou aumentar receitas e, portanto, podendo-se diminuir o superávit primário, contudo, sofrerá por outro lado os impactos de uma inflação mais elevada (GIAMBIAGI; ALÉM, 2011).                                           

E para alguns, o principal instrumento para aumentar o superávit primário é o ajuste fiscal. Como foi visto, este era demandado desde os anos de 1980 para auxiliar no combate à inflação. Mas ganha dimensão de política obrigatória apenas a partir de 1999, quando as metas estabelecidas foram acordadas com o FMI e também passaram a constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O gráfico abaixo demonstra sua evolução ao longo dos anos.


Pelo gráfico, percebe-se que a preocupação com o superávit primário também se estendeu ao governo Lula, onde o PT, na prática, rompeu com antigos posicionamentos e críticas feitas ao excesso de gastos com juros e com a dívida. Para ganhar a confiança do mercado acabou sendo mais realista que o Rei, deixando o próprio FMI surpreso com aumentos unilaterais nas metas de superávit primário.  

A partir da saída de Palocci e principalmente a partir da crise de 2008 algumas inflexões foram observadas na política econômica e fiscal. Enquanto nas crises de 1995, 1997, 1999 e 2002, o governo FHC reagiu com aumento do aperto fiscal, tentando obter infrutiferamente uma contração fiscal expansionista, o governo Lula reagiu à crise usando das velhas ferramentas keynesianas. Alguns autores destacam ter sido uma política exitosa. As medidas foram contrárias às da época de FHC, quando se optou por medidas de austeridade, com aumentos de juros e cortes de gastos.

Contrariando as expectativas do mercado, o governo Lula adotou uma postura sem precedentes na história recente do país: uma política de combate aos efeitos da crise internacional mediante medidas expansionistas nas áreas fiscal, monetária e creditícia. Em linhas gerais as principais ações do governo Lula podem ser agrupadas em cinco grupos de medidas: (1) o aumento da liquidez e redução da taxa Selic; (2) a manutenção da rede de proteção social e dos programas de investimentos públicos mesmo em um contexto de queda de receita do governo; (3) as desonerações tributárias temporárias; (4) o aumento da oferta de crédito por parte dos bancos públicos; (5) o aumento do investimento público em habitação (BARBOSA, 2013, p.81).

As NFSP (déficit público) só foram mais altas no ano de 2009, retornando à sua trajetória de queda a partir dos anos seguintes. Já o superávit primário cresceu novamente a partir de 2010, sem, contudo, retornar para os mesmo patamares de antes da crise. Com isso, para os anos de 2011 e 2012, observa-se que o superávit primário e as NFSP foram menores do que na época da crise, quando para os anos de 2007-2010 atingiram 2,88% e -2,63% respectivamente em média. Já o superávit do biênio 2011-2012 ficou em média de 2,75% e as NFSP em média de -2,55%, demonstrando que o governo federal tinha as finanças públicas sob razoável controle e com perspectiva de queda do déficit público e com opção de superávits primários menores. Dessa forma, parecia ser possível um relaxamento lento e progressivo do superávit, o qual caia em proporção do PIB menos que os juros, a fim de que fosse possível também manter o déficit público em queda. 

Quando confrontado estes números com o crescimento do PIB, é possível especular que, a partir de 2011, frente ao resultado de persistência da crise mundial, o governo Dilma tentou manter a estratégia adotada em 2008, ampliando os incentivos fiscais e tentando fomentar a economia através do consumo.



Nesse sentido, o superávit primário continuou caindo depois de 2011, mas sem resultados significativos no aumento do PIB e um resultado desastroso em 2014. Enquanto os inventivos dados em 2008, permitiram uma queda baixa do PIB em 2009 (o resto do mundo teve baixas maiores) e um super crescimento em 2010, estes incentivos não demonstraram os mesmos resultados a partir de 2011.

O PIB, então, continuou patinando a despeito dos diversos incentivos à oferta e à demanda. A verdade é que a economia não é ciência exata e os administradores lidam com incertezas diversas quando fazem apostas em determinadas políticas. A grande questão é que ninguém nunca sabe ao certo qual seria a época ideal para rever uma política de incentivos fiscais. Existe um pouco de tentativa e erro. Normalmente, a teoria keynesiana recomenda que os incentivos sejam dados no período de recessão e retirados no período de expansão, quando com maior crescimento do PIB e da arrecadação, o governo poderia compensar os déficits dos períodos anteriores. O problema é que quando o crescimento não vem, aí o governo lida com escolhas difíceis. Até quando é possível levar uma política expansionista?

Aqui é importante levantar um parêntese a respeito da visão keynesiana do déficit público e do investimento. Keynes não propunha orçamentos desequilibrados de maneira habitual, mas sim para fazer frente a contextos de falta de demanda e horizontes recessivos. Essa questão é importante, pois a “esquerda populista que invoca Keynes e o princípio da demanda efetiva para incorrer em déficits públicos crônicos e [a] ortodoxia míope que é incapaz de perceber os momentos nos quais uma política fiscal expansionista é legítima” (BRESSER- PEREIRA, 2007, p.169), acabam por apresentar visões rígidas anti ou pró Estado que nem sempre são adequadas para contextos específicos de recessão ou expansão econômica acentuada.

É possível que o governo já tinha detectado a ineficiência dos incentivos, mas não quis arriscar mudança de rota em ano eleitoral. Mas talvez o maior problema advenha do fato de que a política de superávit primário seja uma âncora para que os títulos públicos se mantenham valorizados. Dessa forma, os rentistas exigem sempre juros mais elevados, bem como compromissos de que o governo tenha capacidade de arcar com os juros elevados, daí a predileção por superávits primários.

Tudo isso são questões de âmbito político, mas que não apresentam soluções simples. Mesmo uma solução mais "radical", como uma auditoria da dívida externa, prevista na Constituição Federal apresenta dificuldades políticas e econômicas. Sabe-se que esse tipo de demanda era muito comum na década de 1980, onde figuras como Fernando Henrique Cardoso demandavam uma solução do tipo e alertavam que os contratos foram feitos à revelia do Congresso Nacional*. Por sua vez, o próprio PT foi, por muitos anos, um partido a questionar os pagamentos da dívida. Não é por menos que a questão ganhou status constitucional no Ato das disposições constitucionais transitórias de número 26, a exigir uma auditoria da dívida em até 5 anos. Contudo, a auditoria nunca aconteceu e esse tipo de reivindicação se arrefeceu ao longo dos anos. A última tentativa foi em 2009 e 2010, quando se instituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Dívida Pública, na Câmara dos Deputados, a qual também constatou indícios de várias irregularidades, mas também sem qualquer efetividade prática. Um palpite para essa questão é que a auditoria se configura em uma alternativa legítima e soberana para o problema do endividamento, entretanto, o impacto político de tal medida no cenário financeiro internacional seria enorme e de consequências imprevisíveis. Por isso, em um cenário em que a dívida já não desgasta tanto como na década de 1980, as principais forças políticas do país acabaram abandonando essa saída.

Minha opinião é que somente em situações extremas é que esse caminho se torna inevitável. Os rumos da Grécia demonstram isso e a decisão pelo NÃO parece acertada, ainda que não seja uma solução, mas sim uma escolha de algo menos pior. De toda forma, os dilemas e dificuldades irão continuar. Quando se tem credores fortes, estes possuem mecanismos fortíssimos (e nada democráticos) de pressão. Contudo, quando o preço a pagar é muito elevado, pode ser que moratórias e auditorias sejam os caminhos mais indicados. A própria Alemanha nunca pagou suas dívidas, tendo passado por cima delas após a primeira guerra via inflação, e após a segunda guerra passou novamente por cima das dívidas via "perdões" dos principais credores.

No caso do Brasil, os dados financeiros estão longe de apontar uma crise da dimensão da Grécia. Tanto a dívida líquida como a bruta estão em patamares aceitáveis e bem abaixo da época do FHC. A Grécia teve retração do PIB de 25% entre 2009 e 2015, enquanto o Brasil parece que vai arcar com retração do PIB apenas neste ano de 2015.

De toda forma, em vista do déficit público de 6% em 2014, bem como um cenário político conturbado, o governo Dilma resolveu fazer uma inflexão inversa da que foi feita pelo governo Lula em 2008. Teria sido para sustentar o segundo mandato? Teria sido uma pressão inevitável das forças rentistas? Teria sido uma aposta errada? Era possível manter a política de incentivos fiscais sem crescimento do PIB? Até quando há que se apostar em políticas keynesianas quando o crescimento econômico não vêm?

Enfim, são questões difíceis e acredito que não hajam respostas prontas e definitivas. Seja por que motivo for, o governo federal apostou na ideia do ajuste fiscal como solução para a crise econômica. Cabe ressaltar, que tal ajuste está anos luz de distância dos ajustes promovidos pelo FHC ou pelo próprio Lula. Um superávit primário de 1,2% está abaixo de todos os superávits primários realizados antes de 2014. Até então, o gráfico demonstra que o menor superávit primário tinha sido de 2% no ano em que se combatia a crise internacional. Talvez, a mudança seja um pouco brusca devido ao déficit de 6% do ano passado, mas não é lá tão radical e ortodoxa quanto alguns pensam. No meu entender, se o Aécio tivesse ganho as eleições, o ajuste seria muito maior.

O problema é que tal ajuste não tem mostrado efetividade, seja para alcançar os 1,2%, seja para aquecer a economia via confiança dos mercados. Até maio de 2015, o superávit acumulado estava em 0,28% do PIB, demonstrando que dificilmente se chegará aos 1,2%. Ademais, a retração da economia faz com que a dívida como proporção do PIB aumente, ainda que a dívida diminua. Se o denominador decresce mais rápido que o numerador, a consequência é um aumento da dívida/PIB.

Ou seja, a solução de ajuste fiscal e contração expansionistas parece mais uma vez que também não dará certo. Mas a verdade é que manter a política de expansão fiscal também não era garantia de crescimento. Visto desse mês de julho e pelo difícil cenário político existente, acredito que o governo errou não tanto na política econômica, mas na forma como ela foi apresentada e construída. Talvez, um superávit primário menor já fosse suficiente para "acalmar" os mercados. Contudo, mais importante do que prometer um ajuste fiscal era sinalizar para a base política que a elegeu, que o ajuste também seria em cima dos mais ricos. A ideia de imposto sobre grandes fortunas ou sobre herança poderia ser uma boa forma de manter o apoio de quem a elegeu.

Ademais, não deveria ficar num discurso monocórdico do ajuste, o que afastou a base política de quem a elegeu e tirou muita perspectiva/ânimo de quem mais teria disposição para defender o governo. Do outro lado, é possível sim que tenha havido certa acomodação com essas concessões feitas, mas também parece que foram insuficientes. Numa perspectiva psicanalítica, os coxinhas não absorveram o luto da derrota e continuaram inflamando as ruas com relativo sucesso. Houve até certo descasamento do que as tais lideranças exigiam e do que partidos como o PSDB reivindicavam. Mas como o quadro econômico não vem melhorando e com um governo sob constante ataque midiático/jurídico, além de não demonstrar reação, parece que a perspectiva golpista ganhou novo ímpeto. Só que dessa vez com maior participação de lideranças do PSDB e do próprio PMDB.

É possível voltar atrás do ajuste fiscal? Acredito ser muito difícil... Talvez era hora de levantar novas bandeiras, de colocar em discussão o imposto sobre grandes fortunas e/ou herança. De se abrir mais claramente às demandas dos novos tempos, como criminalização da homofobia e outras demandas LGBTTs, descriminalização da maconha, mobilidade urbana/ciclovias...(olha como o Haddad foi bem recebido nesta seara). De ser mais incisivo na questão contra o financiamento privado, etc...

Se não é possível no curto prazo ter crescimento econômico com ou sem ajuste, que se adote bandeiras progressistas. Até o FHC andou empunhando a bandeira da descriminalização da maconha quando sua imagem estava em baixa...E se a bandeira contra a redução da maioridade penal, ainda que super-impopular, demonstrou capacidade de aglutinação entre setores representativos da sociedade, porque as outras bandeiras não teriam efeitos ainda melhores? É certo que não é possível no curto prazo e com esse Congresso passar todas essas bandeiras, mas pelo menos gera-se um caldo de entusiasmo na militância progressista e ambiente mais propício para frear as intenções golpistas que virão.


*Em 1987, Fernando Henrique Cardoso foi relator da Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa. “As principais irregularidades encontradas foram: prática do anatocismo; alta unilateral de juros; corresponsabilidade dos credores; ilegalidades na negociação da dívida; falta de transparência; negociações sigilosas; interferência direta do FMI; articulação de credores; elevados custos sociais da dívida externa; existência de ‘custos injustificáveis’; estatização de dívidas privadas; exportação de capitais nacionais; utilização deliberada de empresas estatais para obtenção de empréstimos no exterior; desequilíbrio contratual das partes negociantes; pulverização de credores e dificuldade de controle por parte do Banco Central; comprovação do reduzido do (sic) valor da dívida no mercado secundário [...]” (FATORELLI, 2012, p.39).

Referências:

-OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Política econômica e crise mundial: Brasil, 1980-2010. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.

-GIAMBIAGI, Fábio & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

-BARBOSA, Nelson. Dez anos de política econômica. In: SADER, Emir (org.). 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO, 2013.

       


segunda-feira, 25 de maio de 2015

Desvendando o discurso anti-corrupção II (indignação seletiva)

Certa vez, viajando a trabalho com um colega, o nobre companheiro de estrada comia quitutes diversos e jogava sem qualquer cerimônia papéis e embalagens pela janela. Tipo de conduta que me incomoda, mas que também só resta a resignação, pois não me proponho a ficar corrigindo homens adultos, ainda mais uma companhia de trabalho. Pois bem, e não é que mais alguns quilômetros de asfalto à frente, nos deparamos com restos de alguma carga de construção civil jogada ao lado da estrada e o nobre colega exclama:

-“Que isso!?! Que absurdo! Quem jogou essa porcaria na beira da estrada? Vagabundos! Tinha que prender. Quanta falta de educação. Cadê as instituições?! Brasil não é um país sério...

Mesmo já calejado com as frequentes incoerências dos que se acham "indignados" com comportamentos morais dos outros, confesso que pelo curto espaço de tempo entre uma coisa e outra, fiquei um pouco surpreso e com vontade de rir. 

Nas  manifestações do dia 15 de março, tivemos outras condutas “interessantes” a ilustrar minhas observações:








Bons exemplos de cara de pau, não? Mas também podemos chamar de indignação seletiva, dupla moral ou hipocrisia. Mas convenhamos que a grande maioria que lá estava não se envolveu em casos de corrupção tão descarados, seria desonestidade e maniqueísmo de minha parte.

No dia a dia, o mais comum é encontrarmos uma parcela maior de ditos "cidadãos de bem" (ou bens), que em luta contra um "Estado Tirano", eventualmente façam uso de procedimentos como compra de recibos médicos, molhar a mão do guarda ou falsificar uma carteirinha de estudantes para evitar os "abusos" do Estado, ou das redes de cinema e casas de show. Mas fora isso e a desculpa já bem relatada de legítima defesa contra o "Estado que tudo suga", todos sempre juram serem os melhores seguidores da boa moral e não se envolvem em casos tão abusivos como os acima. Se a questão de escala difere um do outro, aí já é um papo para outro dia.

Mas acredito que a artimanha da indignação seletiva não é só uma questão de fechar os olhos para os próprios mal feitos e apontar o dedo para os erros dos outros. Na verdade, mesmo um cidadão que tenha a "ficha limpa", ou seja, que não tenha aprontado uma "corrupçãozinha" aqui ou acolá, para escapar dessa "fúria arrecadatória" desses "políticos canalhas", ainda assim, é provável que faça uso da dupla moral no seu dia a dia, pois os seres humanos não são deuses.

Como é impossível abarcar toda a realidade, seja do ponto de vista cognitivo, seja do ponto de vista moral ou sentimental, é natural que todo ser humano selecione/recorte seus objetos de conhecimento/moral/afeto, com boa dose de conveniência/arbitrariedade, ou mesmo má fé...

Assim, é bem improvável que as pessoas se indignem com a mesma intensidade em relação a abusos cometidos na Índia frente aos da sua cidade, o mesmo em relação a seus familiares frente a vizinhos. Na suposta "luta por justiça", no fundo as pessoas tendem a proteger "os seus" e ignorar os "mais distantes". Isso envolve psicologia, sociologia, antropologia e sei lá quantas outras ciências mais.

Estes dias estava relendo um livro de Adam Smith sobre os sentimentos morais e me deparei com a seguinte passagem:

"Suponhamos que o grande império da China, com suas miríades de habitantes, fosse subitamente engolido por um terremoto, e imaginemos como um humanitário da Europa, sem qualquer ligação com aquela parte do mundo, seria afetado ao receber a notícia dessa terrível calamidade. Imagino que, antes de tudo, expressaria intensamente sua tristeza pela desgraça de todos esses infelizes, faria muitas reflexões melancólicas sobre a precariedade da vida humana e a vacuidade de todos os labores humanos, que num instante puderam ser aniquilados. (...) E quando toda essa bela filosofia tivesse acabado, quando todos esses sentimentos humanos tivessem encontrado sua expressão definitiva, continuaria seus negócios ou seu prazer, teria seu repouso ou sua diversão, com o mesmo relaxamento e tranquilidade que teria se tal acidente não tivesse ocorrido. O mais frívolo desastre que se abatesse sobre ele causaria uma perturbação mais real. Se perdesse o dedo mínimo de manhã, não dormiria de noite, mas desde que nunca os visse, roncaria na mais profunda serenidade ante a ruína de centenas de milhares de seus irmãos. E a destruição dessa imensa multidão parece claramente apenas um objetos menos interessante do que seu reles infortúnio particular." (pg. 105, Teoria dos Sentimentos Morais)

Gostei muito desse trecho pela universalidade da ideia e por conter descrições similares a desgraças relativamente recentes. Quantas catástrofes gigantescas tivemos nos últimos anos? Aquele tsunami na Indonésia matou na casa dos centenas de milhares... E por quanto tempo as pessoas se sensibilizaram com o episódio? O que realmente trouxe de perturbação para o seu dia a dia? Enfim, acredito que não esteja muito distante do descrito por Adam Smith. O mais próximo sempre afeta mais as pessoas, ainda mais se for na própria carne.

Mas o episódio acima também retrata um tipo frequente de dupla moral. Ainda que as pessoas não se sintam afetadas no mesmo grau com infortúnios dos "outros" quando comparados ao próprios, a verdade é que a própria sensibilização dos infortúnios dos outros costuma vir acompanhada de enormes doses de seletividades.

Assim, os milhares de atentados no Iraque, na África passam como um raio, enquanto um atentado ao jornal Charlie Herbou traz um frenesi de indignação. A morte violenta de um menino da periferia não gera comoção, não aparece seu nome e fica por isso mesmo, enquanto uma morte de alguém em melhores condições vêm acompanhada de marchas pela paz e luto. Cai um avião e ficam todos traumatizados, enquanto um caminhão com retirantes que vira na pista é nota de rodapé. Quando morrem centenas em náufragos tentando chegar à Europa, não gera a mesma comoção, nem repúdio do que um naufrágio de um navio italiano (na verdade, com a ideia de imigração roubar empregos na Europa, alguns passam a ver o episódio com relativa simpatia).

No quesito imigração, o cenário tende a piorar. A Líbia era o país da África com melhor IDH, criou-se o sentimento "humanitário" de derrubar um tirano e implantar a "democracia", mas transformaram o país em grupos de gangues, uma verdadeira catástrofe social. Já o petróleo está garantido, enquanto milhares passam a tentar a sorte na Europa. E como os governos não querem receber aqueles que fogem do que eles mesmo criaram, inventa-se novos demônios para justificar as medidas repressivas. A culpa agora são dos traficantes, dos piratas...

Enfim, os exemplos são infinitos...O pior é que a mídia ampliou e muito essa hipocrisia seletiva... 

E no final das contas é exatamente esse expediente que se usa na maioria das conversas sobre política e corrupção.

Nessas conversas diárias de trabalho, lazer, no cabeleireiro, ou táxi estou cansado de todo dia ouvir as mesmas pessoas se "indignarem" sempre das mesmas pessoas/partidos com quem ela não simpatiza. Tem sempre mil razões para pintar um José Dirceu da vida como o gênio do mal, o Lúcifer do Século XXI, ainda que as bases para tais convicções seja, quase sempre, uma vontade de acreditar no que leu em alguma revista semanal, do que propriamente uma certeza sobre os fatos que relata. E se o caso imoral de corrupção for de um político com quem a pessoa simpatiza ou votou, vale o benefício da dúvida, a necessidade de provas "robustas", o direito à defesa. No limite, irá considerar que aquilo é cortina de fumaça da cambada sociopata que ele odeia... E Se o Judiciário condenar estes, só aplausos, Joaquim Barbosa vira um justiceiro! Se absolve seus adversários, foi comprado, deturpado, enviesado... Por último, se os condenados forem os "seus", inverte-se tudo, a Justiça vira "aparelhada" pelo partido no poder, o Estado Policial que Gilmar Mendes e Demóstenes Torres denunciaram quando predeu-se Daniel Dantas ou Eliane Tranchesi... 

Lava-Jato?! Tem petistas? aplausos e odes aos que zelam pela Justiça... Zelotes e HSBC?! Não tem petistas? Só endinheirado? Assovia e finge que não viu... Um helicóptero de um senador foi pego com cocaína? É apadrinhado de um político em quem votei? Nada de bater panela...E se não der para esconder, diz-se que foi traído.

Enfim, é claro que petistas ou qualquer um também possa usar do mesmo procedimento. Talvez, a diferença esteja no grau em que cada um exagere desses procedimentos ou mesmo na honestidade em que cada um acredita no que fala. Ou então, na importância que se dá a uma discussão meio que sem saída. Desde Maquiavel que já se demonstra que na política não existe essa moral de anjos que alguns juram defender... (e obviamente não aplicam para si próprios). Quase sempre se propor a uma moral de anjos, traz a própria ruína ou faz-se a política dos inimigos. Não que não existam limites, cada qual irá impor os próprios... Mas é muita hipocrisia ou ingenuidade achar que certos procedimentos sejam atributo de um partido específico e não do sistema.

Aliás, acredito que muitos, de tantos se embebedarem das próprias falácias que pregam, acabam por acreditar nelas. Talvez, seja a necessidade de um ambiente maniqueísta, como um mecanismo de auto-engano, até uma auto-defesa contra os próprios demônios... 

Tentarei escrever mais a respeito no próximo post....









quinta-feira, 14 de maio de 2015

O papel dos juros - Dilemas advindos com o Plano Real III

Os juros cumprem diversos papéis na economia do país. O mais comum é quando nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copon), justificam-se aumentos nas taxas de juros a fim de conter uma suposta inflação de demanda. Por essa via, aumentam-se os juros, com a intenção de conter o excesso de demanda e de também interferir nas expectativas inflacionárias dos ditos agentes econômicos.

Esse é o viés anti-inflacionário dos juros, mas como foi dito em outra postagem, os juros afetam toda uma série de outras variáveis. Assim, pode acontecer que uma vez que o país entre em uma espiral de altos déficits em transações correntes, este déficit só consiga ser “coberto” pelo afluxo de capitais através de investimentos e empréstimos. E para que o capital externo se sinta “atraído” a investir no país é natural que queira retornos satisfatórios e seguros, assim como é natural que faça lobbies e pressões para que a taxa de juros seja elevada. Por isso nada mais atrativo do que uma “boa e alta taxa” de juros para garantir esse afluxo de capital. 

E assim foi o desenvolvimento da taxa Selic mensal ao longo dos últimos 20 anos:



Em resumo, percebemos que a taxa de juros cai de 1996 a 1998, sofrendo um grande repique no finalzinho de 1998, voltando a cair só no início do ano 2000. A partir das eleições de 2002 ela volta a subir suavemente, política de aumento que é mantida mesmo após a eleição de Lula. O primeiro governo Lula caracterizou-se pela continuidades de vários aspectos da política econômica de cunho ortodoxo, aumentando a taxa de juros por diversas vezes, a fim de tentar ganhar credibilidade e demonstrar que seu governo não apresentava perigo ao capital internacional.  

Em seguida, a partir de 2004, a taxa Selic volta a cair suavemente, alternando períodos de  pequenos aumentos, mas que ao final, permanece em patamares menores que de períodos anteriores. O recorde dessa queda ocorre em janeiro de 2013, quando atinge uma meta anual de 7,11% (ao ano) . Desde então, ela volta a subir quase que ininterruptamente, alcançando 13,25% em abril de 2015. As últimas previsões são que continue subindo, podendo este cenário se estender até o final de 2016. O Bacen vem afirmando que pretende usar desse remédio até o momento em que a inflação se estabilize na meta de 4,5%.

Apesar dos pesares dos constantes aumento, observa-se que o país conseguiu sair de taxas de juros estratosféricas para um ambiente um pouco mais baixo, mas que ainda assim mantém o país entre as mais altas taxas de juros do mundo. É possível dizer que o primeiro governo da presidenta Dilma tentou baixar essas taxas para padrões mais condizentes com o tamanho da economia brasileira, mas percebe-se que a partir de 2013, pode ter havido uma mudança de rota ou um recuo da estratégia.

Atribuí-se que os novos aumentos ocorreram por pressões inflacionárias. No caso, por exemplo, do crescimento dos preços do tomate em 2013, a mídia relacionou o fenômeno a descontroles da política governamental, exigindo implicitamente aumento de juros. Na ocasião, chegaram até mesmo a colocar a apresentadora Ana Maria Braga com um patético colar de tomates, sugerindo que o alimento havia se tornado uma jóia. 

O problema de algumas dessas explicações é que relacionam tipos de inflação distintos com a dita inflação de demanda, onde o único remédio são os aumentos de juros. Acontece que a inflação é um fenômeno multicausal, podendo ocorrer por problemas na oferta, ambiente oligopolista, excesso de preços indexados, dentre outros tantos fatores. 

No caso, por exemplo do aumento de preço de produtos naturais é mais comum que ocorram por choques na oferta, quando eventos da natureza no Brasil ou no mundo (chuvas excessivas, seca, furacões,  etc...) prejudicam a produção. Nesse sentido, a prescrição de aumento de juros não terá efeito nenhum sobre a inflação e alguns economistas dizem que isso já aconteceu em “n” situações.

É claro que a discussão é mais complicada e envolve diversos outros fatores que o Bacen jura levar em conta cercado da melhor técnica possível. Infelizmente, a equação para calcular uma "boa" taxa de juros não é das mais simples, assim como não se resume a cálculos neutros. Nunca é demais lembrar que fortes agentes financeiros são os que mais ganham com estes aumentos, o que implica considerar a presença de um lobbie poderoso para ampliar os ganhos de setores rentistas. Nesse sentido, não existem argumentos puramente técnicos, existe um jogo de poder a permear as decisões tomadas.

domingo, 10 de maio de 2015

Tripé Econômico - Dilemas advindos com o Plano Real II

A partir de uma conjuntura de transações correntes altamente deficitárias e baixas reservas internacionais é que surgiu uma política até hoje vigente, o chamado Tripé Econômico.

Como foi visto, a âncora cambial foi a principal ferramenta de controle da inflação no primeiro mandato de FHC. Contudo, ela trouxe um desequilíbrio externo crescente e uma séria crise fiscal. A sobrevalorização do real percorreu todo o primeiro mandato de FHC. Conforme Giambiagi (2011), partindo de um nível 100 em junho de 1994, a moeda tinha diminuído para 68 no auge da apreciação em julho de 1996 e mesmo com algumas microdesvalorizações, o referido índice ainda era de apenas 79 ao final de 1998.


Para que o país se sustentasse, era preciso que os investidores externos mantivessem a confiança na economia e na moeda, aportando recursos de investimentos ou empréstimos para o país. Contudo, em cenários de alto desequilíbrio nas transações correntes, alto endividamento e poucas reservas internacionais, os investidores tendem a perder a confiança no país, principalmente por preverem uma desvalorização da moeda a partir da “fuga de capitais”, resultando em uma profecia auto-realizável.


A partir daí surgia, então, o tripé da política econômica, com câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação. Para Giambiagi (2011) as sucessivas crises econômicas e políticas vividas pelo Brasil até 1998, como a crise Jânio/Jango de 1961-1963, o choque do petróleo, as crises externas, fiscal e inflacionária dos anos 1980 e o ambiente de hiperinflação dos anos 1990, sempre tiveram presente pelo menos um dos seguintes elementos presentes: alta inflação, crise externa e/ou descontrole fiscal. Com a adoção do tripé econômico o país passa a ter condições de enfrentar cada um desses problemas: “se a inflação preocupa, o Banco Central atua através do instrumento da taxa de juros; se há uma crise de Balanço de Pagamentos, o câmbio se ajusta e melhora a conta corrente; e se a dívida cresce, há que se “calibrar” o superávit primário.” (GIAMBIAGI, 2011, p188)


O problema da política do Tripé Econômico é que as variáveis são interdependentes e uma medida para “consertar” eventual problema em uma variável pode “estragar” a outra variável. Assim, o quadro abaixo explica sucintamente possíveis consequências de medidas adotadas:

Problema
Medida
Resultado indesejável 1
Resultado indesejável 2
Aumento Inflação
Aumento dos Juros
Grande afluxo de capital externo, com valorização cambial e aumento do déficit em transações correntes.
Os gastos públicos com o serviço da dívida aumentam, o que gera necessidade de maiores superávits primários.
Aumento do déficit em transações correntes
Desvalorização cambial
Diminui a concorrência de produtos externos o que pode gerar pressões inflacionárias.
Diminui o poder de compra dos trabalhadores, o que pode gerar um quadro recessivo.
Aumento do déficit público
Aumento do superávit primário
O corte de despesas ou aumento de impostos para aumentar o superávit podem ter resultados recessivos na economia. Como o principal indicador de confiança é a relação dívida/PIB, se o PIB não crescer, este indicador aumenta mesmo que o superávit aumente.


To be continue...

Referências: 

GIAMBIAGI, Fábio & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Âncora Fiscal, Cambial eTransações Correntes - Dilemas advindos com o Plano Real

No atual cenário de ódio, raiva e intolerância, resolvi seguir o caminho contrário. Ando meio Zen-budista, procurando a sensatez, valorizando a dúvida, as incertezas e tentando sair da inevitável ideia de que sou o dono da verdade. Quantas vezes já mudei de ideia a respeito de tantos temas? Aliás, à medida que tomo mais conhecimento de certos assuntos, tenho tido mais clareza que é um equívoco se postar como o que sempre tem razão. Avançaríamos uns mil anos enquanto sociedade e enquanto indivíduos se cada qual tentasse ser mais humilde e tolerante. Sei que é utopia e posso no máximo tentar fazer valer esse padrão para mim.

Assim, vendo panela pra cá, passeata para lá, gente pedindo Ditadura, todos julgando a si mesmos experts sobre quaisquer assuntos (lendo no máximo a Veja) e com uma solução definitiva para o pecado original, qual seja, a saída de Dilma... (Uma espécie de talismã para exorcizar os próprios pecados, pois cada qual na vida pessoal faz exatamente aquilo que diz condenar na política), resolvi, então, me desgastar menos com discussões inúteis e meditar serenamente sobre alguns assuntos.

Como a economia tem gerado apreensões, resolvi rever os dados que usei em minha monografia de 2013. Até então o cenário era bem confortável e com inegáveis méritos no campo social, em especial geração de empregos, carteira assinada e valorização do salário mínimo. Sei que houveram algumas pioras e outros fatores se mantiveram estáveis. Portanto, a ideia é ver em que pé se encontram alguns dados e tentar estabelecer uma narrativa coerente para o desenrolar da História.

Minha veia de historiador sempre privilegia narrativas históricas, então, ao querer analisar o atual cenário econômico, acabei voltando lá no Plano Real. (Não desanimem, pois uma vez, para falar de educação em um trabalho de Faculdade, voltei na Idade da Pedra....kkkk)

Âncora Fiscal, cambial e Transações Correntes - Dilemas advindos com o Plano Real

Entre os economistas, geralmente, pontua-se o déficit público como um dos causadores da inflação, o que também levaria ao remédio lógico de que para combater a inflação, faz-se necessário um ajuste fiscal.

Não é por menos que todas as teorias e tentativas de estabilização da moeda (Planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II) preconizavam de alguma maneira a necessidade de um ajuste fiscal, propondo em diversas ocasiões a diminuição dos gastos correntes e medidas de ajuste. Contudo, na prática, pelas dificuldades do contexto em que se vivia, os planos acabaram por não conseguir sustentar o que propunham, mantendo e agravando a situação inflacionária.

O Plano Real incorporava o mesmo pressuposto, pois foi originalmente concebido como um programa de três fases, sendo que as duas primeiras seriam condição sinequa non para que a terceira fosse implementada: a primeira tinha como função promover um ajuste fiscal que levasse ao equilíbrio das contas do governo; a segunda fase criava a Unidade Real de Valor (URV), como um padrão estável de valor; e a terceira concedia poder liberatório à unidade de conta e estabelecia “as regras de emissão e lastreamento da nova moeda (real) de forma a garantir a sua estabilidade, desempenhando todas as funções: unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor (CASTRO, 2011; OLIVEIRA, 2012).

Porém, as reformas fiscais pretendidas se defrontaram com resistências políticas, principalmente as que afetavam os governos estaduais, o que levou ao abandono ou adiamento de boa parte das propostas. Por último, o abandono definitivo da âncora fiscal se deu pela posição nada favorável em que se encontrava o candidato Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1994, o que levou à antecipação do Plano Real, com o claro objetivo de modificar, com os seus frutos, a corrida sucessória. (OLIVEIRA, 2012).

A tabela abaixo demonstra a necessidade de financiamento do setor público nos anos anteriores e posteriores ao Plano Real. Percebe-se que existia uma média de déficit público, resultado primário e juros reais em patamares não tão elevados (comparado ao que veio depois), os quais decresceram substancialmente no ano do Plano Real, para logo em seguida passarem a uma trajetória de crescimento descontrolado.

Tabela 1 - Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) –Brasil – 1991-1997
Ano
Déficit Operacional
Resultado Primário
Juros Reais
1991
0,17
2,71
2,88
1992
1,88
1,57
3,45
1993
0,79
2,19
2,98
Média 91-93
0,95
2,16
3,10
1994
-1,25
5,21
3,96
1995
6,55
0,24
6,79
1996
5,33
-0,09
5,24
1997
5,5
-0,88
4,62
Fonte: Adaptação de Giambiagi; Além (2011,p.109/139).
Nota: (a) Valores em % PIB (b) (-) Superávit (c) Conceito Operacional (d) Setor Público Consolidado.

Portanto, conclui-se que o sucesso do Plano Real não dependeu da âncora fiscal, ele foi antes de tudo sustentado pela âncora cambial. O governo fixou o teto do dólar na paridade de R$1,00/US$1,00, com o piso flutuando e estabeleceu taxas de juros elevadíssimas para garantir o fluxo de capitais externos. Portanto, de um lado tentava dar competitividade à economia e evitar remarcação de preços e, de outro, garantir o afluxo de capitais para manter o câmbio apreciado e financiar o déficit em transações correntes. Ademais, vieram o compromisso com a abertura comercial e a maior inserção no processo de globalização (OLIVEIRA, 2012). Por último, Giambiagi (2011) acrescenta que o Plano Real também foi salvo pelo retorno da ampla liquidez no mercado internacional, que buscou rentabilidade nos mercados emergentes.

Hoje, todos consideram inquestionável a importância de se controlar a inflação, pois em ambientes de descontrole inflacionário, a economia se desorganiza e os setores mais ricos se defendem melhor do que os mais pobres, aumentando a desigualdade. Contudo, muitos economistas citam diversos problemas advindos desse formato de âncora cambial e que sua lógica teria permanecido mesmo após o abando formal em 99.

Bresser-Pereira é um dos que mais criticam essa engenharia baseada em um câmbio valorizado, pois tal política levada a cabo por vários anos, simplesmente destruiria os setores industriais menos avançados e inviabilizaria o surgimento/consolidação de indústrias de ponta. Para a teoria econômica liberal, nada disso seria problema, pois cada país deve se especializar naquilo que tem maior vantagem comparativa, sendo a quebra de uma indústria sinal de sua ineficiência e que os recursos serão melhor alocados a partir de então. O debate em torno disso é longo e inconclusivo, mas empiricamente, dificilmente se encontram grandes economias a sustentar grandes populações baseadas apenas em commodities.

E para Bresser-Pereira, a questão não é de ineficiência, pois a simples descoberta de uma riqueza natural, como o petróleo, não poderia inviabilizar toda uma série de empreendimentos industriais. Acontece que usualmente é isso que acontece, pois estas riquezas geram exportação, trazem dólares ao país e valorizam o câmbio, o que por sua vez, começam a inviabilizar uma série de empreendimentos, levando à desindustrialização. Abaixo, é possível observar que o Brasil parece estar trilhando esse caminho.



* Dados acumulados em 12 meses até Junho
Fonte: Funcex



Outra possível consequência negativa de tal cenário, diz respeito ao fato de que um câmbio sobrevalorizado e uma balança comercial sustentada por produtos primários costumam atrair inevitáveis desequilíbrios na balança de pagamentos, pois os produtos naturais possuem maior variabilidade de preço e não dão conta de compensar o déficit em transações correntes.

 Fonte: Banco Central
Elaboração Própria

Normalmente, o Brasil possui uma balança comercial superavitária, exportando mais do que importa, principalmente devido ao peso das commodities. Por outro lado, via de regra, sai mais dinheiro do que entra quando o quesito é remessa de lucros ao exterior, o que ocasiona um déficit na balança de serviços. A soma das duas (em resumo) nada mais é do que o resultado das Transações correntes e por isso o quase inevitável déficit como visto acima. Nos últimos 20 anos, apenas no período do primeiro governo Lula é que se conseguiu um superávit em transações correntes, fruto do alto preço das commodities no período.

Para 2015, o quadro não vem apresentando melhoras mesmo com a desvalorização do câmbio. O último relatório do Banco Central apontou que o déficit de transações correntes em março foi de 4,5% do PIB. Para se ter uma ideia, a grande desvalorização cambial que o Brasil sofreu em 1999, quando teve que pedir socorro ao FMI, se deu em um quadro de déficit em transações correntes na casa dos 4%.

A diferença é que hoje o país possui reservas internacionais mais robustas, as quais foram prudentemente acumuladas a partir de 2003, por isso o Brasil não apresenta um quadro econômico tão grave como o do período FHC.

* De 1998 até 2005 os dados correspondem ao conceito de reservas líquidas ajustadas, referido nos acordos com o FMI.** Dados de Junho 
Fonte: Banco Central


To Be Continue...

Referências: 

1- CASTRO, Lavinia Barros de. Esperança, Frustração e Aprendizado: A História da Nova República. In: GIAMBIAGI, Fábio et. al (Orgs). Economia Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro. Elzevier, 2011. p.97-129.

2- GIAMBIAGI, Fábio & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

3-OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Política econômica e crise mundial: Brasil, 1980-2010. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.