quinta-feira, 14 de maio de 2015

O papel dos juros - Dilemas advindos com o Plano Real III

Os juros cumprem diversos papéis na economia do país. O mais comum é quando nas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copon), justificam-se aumentos nas taxas de juros a fim de conter uma suposta inflação de demanda. Por essa via, aumentam-se os juros, com a intenção de conter o excesso de demanda e de também interferir nas expectativas inflacionárias dos ditos agentes econômicos.

Esse é o viés anti-inflacionário dos juros, mas como foi dito em outra postagem, os juros afetam toda uma série de outras variáveis. Assim, pode acontecer que uma vez que o país entre em uma espiral de altos déficits em transações correntes, este déficit só consiga ser “coberto” pelo afluxo de capitais através de investimentos e empréstimos. E para que o capital externo se sinta “atraído” a investir no país é natural que queira retornos satisfatórios e seguros, assim como é natural que faça lobbies e pressões para que a taxa de juros seja elevada. Por isso nada mais atrativo do que uma “boa e alta taxa” de juros para garantir esse afluxo de capital. 

E assim foi o desenvolvimento da taxa Selic mensal ao longo dos últimos 20 anos:



Em resumo, percebemos que a taxa de juros cai de 1996 a 1998, sofrendo um grande repique no finalzinho de 1998, voltando a cair só no início do ano 2000. A partir das eleições de 2002 ela volta a subir suavemente, política de aumento que é mantida mesmo após a eleição de Lula. O primeiro governo Lula caracterizou-se pela continuidades de vários aspectos da política econômica de cunho ortodoxo, aumentando a taxa de juros por diversas vezes, a fim de tentar ganhar credibilidade e demonstrar que seu governo não apresentava perigo ao capital internacional.  

Em seguida, a partir de 2004, a taxa Selic volta a cair suavemente, alternando períodos de  pequenos aumentos, mas que ao final, permanece em patamares menores que de períodos anteriores. O recorde dessa queda ocorre em janeiro de 2013, quando atinge uma meta anual de 7,11% (ao ano) . Desde então, ela volta a subir quase que ininterruptamente, alcançando 13,25% em abril de 2015. As últimas previsões são que continue subindo, podendo este cenário se estender até o final de 2016. O Bacen vem afirmando que pretende usar desse remédio até o momento em que a inflação se estabilize na meta de 4,5%.

Apesar dos pesares dos constantes aumento, observa-se que o país conseguiu sair de taxas de juros estratosféricas para um ambiente um pouco mais baixo, mas que ainda assim mantém o país entre as mais altas taxas de juros do mundo. É possível dizer que o primeiro governo da presidenta Dilma tentou baixar essas taxas para padrões mais condizentes com o tamanho da economia brasileira, mas percebe-se que a partir de 2013, pode ter havido uma mudança de rota ou um recuo da estratégia.

Atribuí-se que os novos aumentos ocorreram por pressões inflacionárias. No caso, por exemplo, do crescimento dos preços do tomate em 2013, a mídia relacionou o fenômeno a descontroles da política governamental, exigindo implicitamente aumento de juros. Na ocasião, chegaram até mesmo a colocar a apresentadora Ana Maria Braga com um patético colar de tomates, sugerindo que o alimento havia se tornado uma jóia. 

O problema de algumas dessas explicações é que relacionam tipos de inflação distintos com a dita inflação de demanda, onde o único remédio são os aumentos de juros. Acontece que a inflação é um fenômeno multicausal, podendo ocorrer por problemas na oferta, ambiente oligopolista, excesso de preços indexados, dentre outros tantos fatores. 

No caso, por exemplo do aumento de preço de produtos naturais é mais comum que ocorram por choques na oferta, quando eventos da natureza no Brasil ou no mundo (chuvas excessivas, seca, furacões,  etc...) prejudicam a produção. Nesse sentido, a prescrição de aumento de juros não terá efeito nenhum sobre a inflação e alguns economistas dizem que isso já aconteceu em “n” situações.

É claro que a discussão é mais complicada e envolve diversos outros fatores que o Bacen jura levar em conta cercado da melhor técnica possível. Infelizmente, a equação para calcular uma "boa" taxa de juros não é das mais simples, assim como não se resume a cálculos neutros. Nunca é demais lembrar que fortes agentes financeiros são os que mais ganham com estes aumentos, o que implica considerar a presença de um lobbie poderoso para ampliar os ganhos de setores rentistas. Nesse sentido, não existem argumentos puramente técnicos, existe um jogo de poder a permear as decisões tomadas.

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