domingo, 30 de agosto de 2015

Imposto sobre Herança. A hora é essa!

O imposto sobre herança/doação faz parte da estrutura tributária de diversos países, ainda que outros tantos não prevejam sua aplicação ou a tenham abandonado em anos recentes, como aconteceu com Luxemburgo, Austrália, Áustria, Canadá, Israel, Suécia e Portugal, para citar alguns.

A opção por este tipo de imposto já foi mais intensa em países desenvolvidos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando se firmaram as estruturas do chamado estado de bem estar social. Em 1965, a participação de impostos sobre herança/doações como porcentagem do total dos próprios impostos em países da OCDE era assim:

Comparativo % impostos sobre Herança/Doações dividido pelos Impostos Totais – Primeiras posições de países da OCDE – Período 1965
Fonte: OCDE, 2015.

A média da OCDE era de mais de 1% e os países de língua inglesa se destacavam nas primeiras posições, alcançando mais de 2% de representatividade do imposto na arrecadação total. Curioso, ainda, como países de características mais liberais ocupavam as primeiras posições. Contudo, após os ventos mais liberais da década de 80, houve uma queda contínua em praticamente todos os países, sendo que alguns chegaram a eliminar a previsão do imposto.

Sintomática dessa queda na representatividade do imposto foi a variação considerável nas alíquotas superiores cobradas em países mais desenvolvidos, como EUA e Reio Unido, conforme demonstra Piketty (2014).

Fonte: PIKETTY, 2014.

O interessante dessa guinada é que todas essas modificações não foram suficientes para nem de perto aproximar as estruturas tributárias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. No primeiro caso continua predominando impostos sobre patrimônio e renda, enquanto no segundo caso tende a prevalecer impostos sobre o consumo, os quais inevitavelmente penalizam os mais pobres. 

Por exemplo, em 2012, os países que mantiveram a opção por cobrar o imposto sobre herança/doações, continuavam tendo patamares de arrecadação consideravelmente maiores que os do Brasil.

Comparativo % impostos sobre Herança/Doações dividido pelos Impostos Totais – Brasil X OCDE – 2012

Fonte: BRASIL, 2013; OCDE, 2015.

Por levar em conta diversos países que não possuem mais a previsão deste imposto, a média da OCDE fica apenas 33% acima do Brasil como proporção da própria receita. A partir de Luxemburgo, a representatividade dobra em relação ao país. Desde a Finlândia chega a quase o triplo. França, Japão e Coréia possuem uma representatividade da herança/doação quase quatro vezes maior. Por último, a Bélgica se destaca com quase sete vezes mais do que o Brasil. Interessante ainda notar que esse patamar de representatividade de herança/doação da Bélgica estaria apenas em 7º lugar no ranking feito para o ano de 1965.

Da mesma forma, as alíquotas máximas prevista nestes países são bem maiores do que as previstas no Brasil.

Comparativo alíquotas máxima ITCD Brasil X Países da OCDE

Vale lembrar que até o ano de 2014, a alíquota máxima de 8% prevista pelo Senado Federal era aplicada apenas por Bahia, Ceará e Santa Catarina. Minas Gerais e Pernambuco exerciam 5%, enquanto os outros vinte e dois estados da Federação instituíram alíquota máxima de até 4%. Ademais, 20 estados não previam qualquer tipo de progressividade, aplicando uma alíquota única, como é o caso de Minas Gerais.

Destarte, fica claro que, comparativamente, o Brasil possui uma baixa taxação sobre as heranças e doações e que um dos motivos para isso está nas baixas alíquotas existentes, as quais estão muito distantes dos patamares praticados em países mais desenvolvidos.

E eis que no atual cenário de crise econômica internacional, recessão no Brasil, crise política e ajuste fiscal infrutífero surgem propostas a favor do aumento da alíquota do imposto sobre herança. Já venho a tempos sugerindo que, acaso houvesse mesmo a necessidade de um ajuste fiscal, mais interessante teria sido fazê-lo a partir de aumento de receitas com taxação sobre o andar de cima. Ainda que os liberais sempre preguem que todo ajuste deva se dar sobre cortes de despesas, a fim de não prejudicar o empreendedorismo e os incentivos aos ditos setores mais produtivos, não são poucos os economistas nos dias de hoje que questionam essa premissa. Paul Krugman advoga que  o tradicional trade-off (escolher uma coisa em detrimento de outra ou "perde-ganha") entre crescimento x equidade esteja errado, podendo uma certa dose de igualdade ser mais benéfica para o crescimento do que desigualdades gritantes.

Da mesma forma, é também por isso que ajustes fiscais podem ser feitos a partir do aumento de arrecadação sobre os mais ricos. Fieldhouse (2013) é um a citar uma série de pesquisas econômicas a respeito de reduções de impostos ocorridas nos EUA, as quais sugerem que as reduções das taxas marginais de imposto de renda individuais, ocorridas no passado, tiveram impacto estatisticamente insignificante no crescimento e nos fatores de trabalho, poupança, investimento e crescimento da produtividade. Advoga o autor que a taxação do imposto de renda sobre os mais ricos dos EUA pode chegar perto de 70% sem afetar a atividade produtiva, obtendo ganhos na diminuição da desigualdade e do déficit público.

Talvez por isso que o período de maior crescimento da economia mundial, que foi após a Segunda Guerra Mundial, tenha também sido o período de maior crescimento na tributação progressiva e nos gastos com o bem-estar social na maioria dos países capitalistas ricos. O sul coreano Chang (2013) parece concordar com a tese:

"Apesar disso (ou, mais exatamente, em parte por causa disso), o período entre 1950 e 1973 presenciou as mais elevadas taxas de crescimento já vistas nesses países, e ficou conhecido como a “Era de Ouro do Capitalismo”. Antes da Era de Ouro, a renda per capita das economias capitalistas ricas costumava ter um crescimento de 1 a 1,5% ao ano. Durante a Era de Ouro, ela cresceu de 2 a 3% nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, 4-5% na Europa Ocidental e 8% no Japão." (CHANG, 2013)

Ademais, faz anos que escuto entre diversas correntes teóricas a necessidade de se ter uma estrutura tributária mais justa, fazendo valer a progressividade, com os ricos pagando proporcionalmente mais que os pobres. Ainda que essa tese seja mais comum entre partidos e correntes da esquerda, não é exclusividade dela. Mesmo liberais insuspeitos concordam com a necessidade de se montar uma engenharia tributária socialmente mais justa.  O próprio Fábio Giambiagi, porta-voz de diversas demandas liberais, com espaço garantido em qualquer veículo de comunicação para alertar contra o “déficit” da previdência ou qualquer pauta dos abastados, atesta em seu livro sobre finanças públicas:

"No que diz respeito à tributação sobre o patrimônio, é importante que se aumente a tributação da riqueza pessoal - principalmente tendo em vista a alta concentração de riqueza no Brasil. Ainda que se reconheça que a tributação do patrimônio é de difícil administração e gera uma arrecadação relativamente pequena, sua importância é, principalmente, a de compensar a regressividade da maioria dos componentes do sistema tributário" (GIAMBIAGI & ALÉM, p.270).

Talvez por isso que não surpreenda ver o próprio Renan Calheiros ser o protagonista a colocar efetivamente a ideia em pauta, incluindo-a na chamada Agenda Brasil. Interessante é que a proposta contém uma alíquota máxima 25%, o que seria um considerável aumento para os padrões brasileiros de tradicionalmente taxar apenas os mais pobres. Em seguida, os secretários de fazenda de diversos estados fortaleceram o coro à ideia. O triste nessa história é ainda não termos visto uma defesa mais contundente por parte dos setores que tradicionalmente levantavam essa bandeira. De maneira geral, a esquerda se contentou em repudiar toda a Agenda Brasil (com razão em diversos pontos), esquecendo-se dessa necessária mudança. Como o imposto sobre herança não exclui a ideia de um imposto sobre grandes fortunas, não há porque deixar de aproveitar essa oportunidade.

Bibliografia: 

FIELDHOUSE, Andrew. A review of the economic research on the effects of raising ordinary income tax rates. 2013. Disponível em: <http://www.epi.org/publication/raising-income-taxes/>. Acesso em: 9 jul. 2015.

CHANG, Ha-Joon. 23 coisas que não nos contaram sobre o Capitalismo: os maiores mitos do mundo em que vivemos. São Paulo: Cultrix, 2013.

GIAMBIAGI & ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 4.ed ver. E atualizada. Rio de Janeiro: Elzevier, 2011.

ORGANISATION DE COOPÉRATION ET DÉVELOPPMENT ÉCONOMIQUES – OECD. Revenue Statistics - Comparativetables. 2015. Disponível em: <https://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=REV>. Acesso em: 20 maio 2015.





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