quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Circuito Vale Europeu

Mais uma cicloviagem neste ano. Dessa vez circuito Vale Europeu em Santa Catarina. Dizem que é dos primeiros circuitos oficialmente implementado no país. Veremos se vale à pena...

Dados gerais:

Distância Total: 526 km
GPS utilizado: Navegantes-Blumenau
Blumenau-Pomerode
Circuito Vale Europeu

Obs1: Oficialmente o Circuito começa e termina em Timbó, mas comecei em Pomerode, pois me pareceu ser um caminho mais fácil desde Blumenau.

Obs2: Curioso que todo mundo perguntava se eu estava fazendo o caminho sozinho e faziam cara de espanto. Foi tudo super tranquilo e com a companhia do todo poderoso, aquele que é o caminho e a verdade, o Guia Para a Salvação, o GPS. Mas no caso do Circuito quase não é necessário, pois  a rota costuma ser muito bem sinalizada.

Dia 01- Embarque de avião para Santa Catarina. 

Logo em Confins o primeiro problema. Apesar de por telefone, na loja, na Internet e entre conhecidos, todos terem me dito que bastava  colocar um plástico por cima da bike montada, um atendente exigiu que empacotasse no mala bike...

Então, desmontei, enrolei as peças em plástico bolha e ainda mandei passar aqueles protect bag. Olhem o resultado:


Mas o engraçado foi que no guichê, durante o check-in, a moça disse que não precisava nada daquilo...

Dia 2: Navegantes - Pomerode 

Distância: 86 km em asfalto
Tempo: Por volta de 7 horas
Clima: Maior parte do tempo nublado

Pedalar em Navegantes é maravilhoso. Muita ciclovia, tudo plano e muitas bikes pela cidade. 

Até Itajaí foi só alegria, com direito a Ferry boat.

Depois tem um trecho meio chato de BR, uns 2 km, quando volta a ser uma estadual, a SC-412, Jorge Lacerda.  Muitos carros, mas com bom acostamento.

De Navegantes a Blumenau é 100% plano, bem fácil!

Já de Blumenau a Pomerode existem trechos com ciclofaixas, como esta ao lado.

Mas também uma tal rua Bahia, ainda em Blumenau, sem acostamento e muito movimentada, o que exige atenção redobrada. 

Depois, já mais perto de Pomerode, a rodovia é movimentada, mas com acostamento.

Pomerode é super bacana. Me disseram que é a cidade mais alemã do Brasil. Arquitetura européia, muitas bikes pela cidade, escurece 20:30, nem parece que estou no Brasil...Olha aí ao lado um bicicletário bem cheio.









Interessante notar que existem muitas placas para ciclistas, semáforos, rebaixamentos nas calçadas (também para deficientes) e campanhas.


Dia 03: Pomerode - Indaial - Rodeio

Distância: 74 km
Tempo: 7:30 h
Clima: Manhã nublada e com garoa, tarde chuvosa.
Estada: Café Stolf

Este trecho está como para ser feito em dois dias, mas é super fácil de fazer em um.

De Pomerode a Indaial o contato com a natureza é intenso e também observam-se casinhas bonitas em estilo europeu.



De Indaial a Rodeio incomoda os trechos em que as ruas são de paralelepípedo. A chuvinha permitiu estrear a capa de chuva...

 Igreja em Acurrai

Dia 04 - Rodeio - Dr. pedrinho

Distância: 64 km
Tempo: 7:30h
Clima: Garoa ou chuva fina o dia todo
Estada: Pousada Bella

Essa parte é só para os fortes. Totalmente insano. De toda forma, foi a parte com melhor visual. Contato com a natureza espetacular.

Como sabia da super subida, tomei a acertada decisão de pedalar sem capa de chuva. A capa faria eu suar mais e ficaria molhado do mesmo jeito. Com o corpo quente não senti muito o frio e nem me incomodei com a chuva.

Mas antes de começar a subir, visitei essa cascata. Local bonito, mas totalmente abandonado...
São 8 km de subida ininterrupta, com ascensão de quase 900 metros. Mas no caminho há muitas belezas, como a propriedade de um senhor que fez um magnífico jardim e o rodeou com 64 anjos...

Terminada a subida dos guerreiros, existe a opção de visitar a cachoeira do Zinco. Contudo, ela está fora do trajeto e são mais 14 km, contando a ida e a volta, sem falar que lá chegando tem-se uma subida super inclinada por uns 2 km.

Bom, já diz o ditado q quem está na chuva é para se molhar. E eu literalmente estava na chuva...

O problema  é que a alguns km da cachoeira, havia uma cancela trancada e o aviso de propriedade particular, com visitas aos sábados e domingos e a critério do proprietário. Para minha sorte era sábado...Mas e a cancela trancada? Seria para carros? Preferi considerar que o português não estava claro e me dar o benefício da dúvida, pulei a cancela e carreguei a bike por cima. Ao fim, valeu o sacrifício...


Depois ainda tem muito chão e mais paisagens bonitas.



Vista da Bella Pousada

Dia 05: Dr. Pedrinho- Altos Cedros

Distância: 34 km
Tempo: 3:45h
Clima: Nublado
Estada: Família Duwe

Hoje foi o trecho mais curto do trajeto. Existem duas opções de caminhos e como em um deles a estrada estava em reforma, acabei escolhendo o da gruta santo antônio.

As únicas dificuldades são duas subidas respeitáveis e o barro na estrada, apesar de não ter chovido durante o pedal.

Bom contato com a natureza, apesar de certo desmatamentos e eucaliptos. Seguem fotos:




O ponto alto é chegando em Rio dos Cedros, cidade estilo escarpas do Lago, onde muitas casas são construídas em torno do Rio.


Para entrar no clima, hospedei-me em uma pousada com acesso à barquinho.



E este é o visual do alto da pousada


Dia 06: Altos Cedros- Palmeiras-Rio dos Cedros

Distância: 85 km (10 fora do caminho)
Clima: Sol
Estada: Restaurante e Churrascaria Recanto

A idéia era matar 2 trechos em um dia. Para isso, madruguei e sai 7:30h. E fui recompensado com essa bela paisagem.



Foi o primeiro dia de céu aberto e muito sol. Porém,  a chuva forte do dia anterior me deixou 15 km de subidas com barro e lama o tempo inteiro. Resultado:

Essa surpresinha de São Pedro me traria mais problemas à frente. Mas naquele momento, tentei tirar o que deu com a mão e com água de um lago...

Bora Pedalar! Após 30 km, conheci a cachoeira Formosa, que foi para o primeiro lugar das maravilhas da viagem, pois além de bonita, permite o acesso pertinho!

Mais perto!!
Maaais e dentro da água
Ô loco. Sai daí maluco!!!
Versão Kamikase
E essa cachoeira me tirou uma hora...

Até pensei em ficar no distrito de Palmeiras para aproveitar mais, contudo, dizem que às segundas a cidade não funciona e eu não havia feito reservas.

Em Palmeiras consegui lanchar. Sai por volta de 14h e ainda faltavam 56km, mas em sua maioria de descidas.


A bike estava fazendo muito barulho e entendi que ela pedia um banho para tirar o resto de barro, o que foi atendido prontamente.
















Ainda, pedalei alguns quilômetros na presença desse imponente rio...

Contudo. Ao chegar no pé da última piramidal do Circuito, a corrente da bike rompeu. Tive que retornar para a cidade mais próxima, que por sorte, foram "apenas" 10km de empurrão ou estilo skate na bike. Dormi por lá em um Hotel quebra galho.

Dia 07: Rio dos Cedros- Timbó

Distância: 38 km
Clima: Nublado
Estada: Timbó Park

De manhã cedo, hora de ir para a única oficina de bike da cidade. O gente boa arrumou a corrente e os rolamentos dianteiro que estavam ranjendo devido ao banho tomado... A bike ficou fina e me cobrou só R$ 10.

Voltando ao ponto de onde a corrente arrebentou tem-se a subida mais inclinada do percurso (não a mais longa). Mais uma de matar, principalmente porque preso em nunca empurrar a bike e preferencialmente não botar o pé no chão.

Vencido o desafio da última pirambeira, o resto do caminho é reta ou descida.

Cheguei em Timbó na hora do almoço, com essa bela paisagem de recepção e a placa de final (o que não era o meu caso...)








Minha intenção era continuar até Pomerode, percorrendo mais 50 km, mas promessa de chuva forte e ⚡,  tão logo eu saía da cidade, me fizeram mudar de ideia e ficar em Timbó.

Dia 08: Timbó- Pomerode- Blumenau

Distância: 85km
Clima: Chuva fina
Estada: Hotel Mansiones

Oficialmente Timbó -Pomerode é o primeiro trecho do Circuito, mas no meu caso foi o último. Os primeiros 25 km são moleza e achei que assim seria todo o percurso, porém, logo veio outra subida considerável...

Caminho com bom contato com a natureza. Já chegando em Pomerode, destaca-se a rota do enxaimel, um estilo de construção alemã do fim do século XIX.



Desta vez, de Pomerode à Blumenau segui pelo caminho de estrada de terra, o que foi muito bom. São 20 km bem tranquilos e chega pertinho de Blumenau.

Já em Blumenau, mais uma vez destaque negativo para a Rua Bahia, que parece ser o único acesso para a cidade e é insuportável de pedalar.

Por coincidência, encontrei um cicloativista que me informou que ciclovias são mesmo complicadas na cidade, que a prefeitura só se preocupa com a Oktoberfest. A curiosidade relatada é que ele e um grupo de ciclistas foram os idealizadores do Circuito do Vale Europeu, onde Blumenau deveria fazer parte. Contudo, exatamente por não ter acessos adequados, acabou ficando de fora do Circuito.

Dia 09: Blumenau- Navegantes 

Distância: 60km
Clima: Sol

Como dito no início, este é um trecho relativamente tranquilo. Todo mundo se assustava quando dizia que vim pedalando desde Navegantes, mas geralmente pensavam que tinha pegado a SC-470. O caminho pela estadual Jorge Lacerda tem fluxo de carro médio, mas com acostamento largo e sem muito caminhões. Apenas tomar mais cuidados na chegada à BR 101.

No mais, fica a comemoração de mais uma cicloviagem finalizada. Valeu à pena!


FIM








terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Reforma da Previdência 3 (Trabalhadores urbanos x rurais)

 Existem outras pequenas "armadilhas" quando o assunto é previdência e a busca incessante por criar um cálculo que legitime a expressão "déficit". Sem essas artimanhas que pretendo expor, a mídia financiada por bancos, teria muita dificuldade em expor manchete com palavras tipo "rombo", déficit, explosão das contas públicas, etc...

Mesmo quando se adota a fórmula fiscalista surgem algumas dificuldades. A maior delas é a diferença dos números quando se comparam os benefícios previdenciários urbanos e rurais. Como demonstrado anteriormente, o argumento fiscalista considera apenas as receitas do empregador e do empregado, contudo, quando calculam os gastos previdenciários incluem indistintamente os gastos urbanos e rurais. 

Ora, se estes autores pretendem criar uma metodologia de cálculo a fim de verificar a sustentabilidade do sistema na forma de capitalização ou repartição simples, seria razoável que fossem mais honestos e precisos nas informações e intenções. 

Ao desconsiderarem as receitas previstas constitucionalmente, estão adotando uma metodologia própria, o que no campo acadêmico tem lá sua pertinência, pois são indicadores a verificar possíveis impactos no longo prazo (mais à frente abordarei a importância do tema no longo prazo), ou mesmo modificações na estrutura tributária ou no sistema previdenciário. Contudo, é necessário manter a honestidade na divulgação das conclusões e no desenvolvimento dos métodos. Assim, é legítimo desenvolver estudos fora do parâmetro constitucional, mas isso deveria ficar claro na divulgação.

Entretanto, existe uma inconsistência lógica no critério adotado por eles. Se estão querendo aferir a sustentabilidade do sistema apenas a partir das contribuições, não faz sentido incluir os benefícios previdenciários dos trabalhadores rurais, pois a quase totalidade deles foram incluídos no sistema sem contrapartidas contributivas ou a partir de alíquotas bem menores. 

A previdência rural foi reformulada pela Constituição Federal de 1988, com ampliação de direitos dentro da concepção de seguridade social, sendo formalmente contributiva, mas com uma significativa necessidade de financiamento, na medida em que a maioria dos segurados são agricultores familiares, cuja atividade preponderante é a agricultura de subsistência, sendo que um pequeno excedente é comercializado. São os chamados segurados especiais, cuja base de contribuição é a comercialização de sua produção, que depende da safra, do tipo de produto cultivado e do preço que sofre oscilações à mercê do apetite dos intermediários que atuam na negociação. O resultado é que os segurados especiais recolhem muito pouco, e a arrecadação da previdência advém dos empregados assalariados e dos produtores rurais. (FILHO, 2012)

A tabela abaixo demonstra isso:

Nesse sentido, quando calcula-se a sustentabilidade do sistema no meio urbano verifica-se que nos últimos anos o sistema tem apresentado superávits, jogando por terra boa parte dos argumentos daqueles que defendem que a situação é explosiva ou catastrófica. 

Este raciocínio era corroborado pelo Ministério da Previdência, obviamente antes da entrada do governo golpista. 

"O  Regime Geral da Previdência Social administrado pelo INSS é auto-sustentável em mais de 80%, pelo fluxo contributivo [ou seja, pelas contribuições  dos  empregados e dos  empregadores  que incidem sobre a folha de pagamentos], e que a parte urbana  do sistema chega  a 97% de auto-sustentação (GOVERNO FEDERAL,Carta de Brasília, 2003)."

Bibliografia:

- PACHECO FILHO, Calino Ferreira. Seguridade social e previdência: situação atual. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 39, n. 3, p. 71-84, 2012. Disponível em: <http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewFile/2665/3060>.  Acesso em: 23 Out. 2012.

- GOVERNO FEDERAL. Carta de Brasília. Brasília, 2003


Reforma da previdência 2 (déficit ou superávit?)

Tudo nessa discussão depende de como se contabiliza receitas e despesas. É certo que existe uma disputa política em torno das palavras. Expressões como déficit e superávit possuem impacto claro e imediato. Afinal, ninguém tende a gostar de déficit e superávit soa como algo bom.

Resumidamente veremos que os fiscalistas maximizam as despesas, considerando todos os gastos previdenciários e às vezes até os não previdenciários, já no que diz respeito às receitas contabilizam apenas as contribuições do empregador e do empregado. Por outro lado, os constitucionalistas procuram contabilizar conforme os preceitos da Constituição, considerando todas as despesas da seguridade social (inclusive saúde) e todas as receitas da seguridade (contribuições do empregador, empregado, CSLL, Cofins, 60% do PIS/Pasep, renúncias de receita e receitas próprias).

Abaixo, têm-se uma forma bem usual de divulgar os dados do Regime Geral (INSS), usada pelos autores fiscalistas e muito difundida pela mídia do país.


Assim, observa-se que o saldo previdenciário seria negativo a vários anos, dando uma possível razão aos argumentos que pleiteiam novas reformas previdenciárias. Contudo, é interessante observar que mesmo nesta tabela não existe um aumento do déficit em números absolutos, e consequentemente, quando comparado ao PIB, o déficit teria uma tendência de decrescimento. Mas como adiantei no primeiro post, é certo que o tal déficit esteja aumentando em números absolutos nesses últimos anos e em relação ao PIB, pois as contribuições caem no momento de recessão (aumentando o tal déficit em número absoluto) , ao mesmo tempo que o PIB despenca (aumentando a proporção, já que o denominador diminui).

Para deixar mais claro como se dá a contabilização das principais linhas interpretativas, a tabela abaixo com o fluxo de caixa do INSS especifica as principais fontes de receita e despesas da Previdência: 

Tabela de Gentil (2006)

Vamos ver mais detidamente como cada um faz seus cálculos!! 

A linha fiscalista desconsidera as receitas de transferência da União, adotando via de regra o valor do item 4, Saldo Previdenciário, correspondentes aos recebimentos próprios (empregado e empregador) menos os benefícios previdenciários: 

Advém daí o argumento de que o déficit estaria retirando dinheiro de outras áreas sociais, pois supostamente o tesouro é quem estaria preenchendo o buraco do “terrrível rombo”, a prejudicar inevitavelmente as gerações futuras. Portanto, o resultado para eles seria sempre déficit! 

Já o viés constitucionalista adota o item 5, o do saldo operacional, considerando na parte de receitas, o que foi transferido pela União via Cofins, CSLL e antiga CPMF (vale lembrar que a União nunca transferiu adequadamente esse recursos). Assim, o saldo operacional seria negativo apenas no ano de 2003. 


O gráfico abaixo retrata melhor:


Contudo, os constitucionalistas não se limitam ao fluxo de caixa do INSS e propõem uma abordagem a partir dos preceitos constitucionais, levando em conta toda a seguridade social e não apenas o que arbitrariamente a União transferiu:

Receitas e despesas da seguridade social em 2005
(em milhões de reais)

Percebe-se que o resultado final surpreende, soando a palavra mais agradável "superávit", no lugar de "déficit. E esta é a forma constitucional e como os constitucionalistas contabilizam o orçamento da seguridade social, mostrando que ela é superavitária

Como explicado anteriormente, as transferências para a previdência vêm da União, mas não para cobrir um "rombo" ou gastar dinheiro de outras áreas com o déficit dos velhinhos irresponsáveis. Na verdade, o dinheiro transferido nada mais é que dinheiro constitucionalmente vinculado à previdência, e portanto, transferido a quem lhe é de direito.

Assim, Miranda (2010) pergunta sobre a destinação destes superávits, perguntando se poderiam ter ido para a saúde ou outra área. Já a Anfip e Gentil (2006) são mais taxativos e apontam que estes recursos foram inconstitucionalmente apropriados pelo orçamento fiscal, mais especificamente para pagamentos de juros e despesas de inativos do funcionalismo público.

Ao fim, vejam o contraste entre as duas formas de cálculos, a constitucionalista x a fiscalista. Um a propagar o déficit ou rombo previdenciário e outro que demonstra que a seguridade (em que está inserida a previdência) é consistentemente superavitária.:


Sugestão: Vale a pena ver este curto vídeo da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), onde muito do que falei é explicado didaticamente. Percebe-se que em 2014 a seguridade social (e a previdência nela inserida), continuava superavitária em R$ 55 BILHÕES. 


Bibliografia:

- MIRANDA, Andrey L. F. O déficit da Previdência Social: Análise comparativa entre as duas linhas metodológicas divergentes. 2012, 97f. Dissertação (mestrado em economia). Departamento de ciências econômicas – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.  Disponível em: <http://tcc.bu.ufsc.br/Economia292766>. Acesso em: 18 Out. 2012.

- ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Análise da seguridade social 2011. Brasília: Anfip, 2012. 136p. Disponível em: < http://www.anfip.org.br/publicacoes/livros/includes/livros/arqs-pdfs/analise2011.pdf> Acesso em: 21 Out. 2012.

- GENTIL, Denise Lobato. A política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. 2006, 243 f. Tese (doutorado em economia). Instituto de Economia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2006. 

Reforma da previdência - 1 (discussão teórica)

Em 2013 fiz um trabalho acadêmico sobre a previdência. Tendo em vista a atual reforma escravocrata vou tentar expor as principais ideias e dados a respeito do tema, especialmente sobre o INSS. Não pretendo atualizar os dados, ainda que no campo da receita deva ter havido diminuição de arrecadação, tanto por desonerações como pela atual crise econômica que diminui o número de contribuições. Acredito que isso não prejudica as ideias centrais contidas aqui. E na medida do possível vou atualizando os posts para colocar outras dimensões do problema e da discussão. Mas já adianto que este primeiro post é um pouco mais chato.

As duas visões

Todo o ano, jornais e estudiosos divulgam números demonstrando um déficit da previdência e uma situação possivelmente explosiva caso mudanças não sejam feitas no curto ou médio prazo. Boa parte dos estudos leva em conta questões demográficas e que apontam para o aumento da razão de dependência dos idosos e para uma inversão da pirâmide etária. Via de regra, vaticinam que as reformas previdenciárias anteriores foram insuficientes e novas reformas deveriam ser feitas.

Contudo, não existe apenas uma maneira de encarar a questão, sendo que muitas interpretações partem de pressupostos arbitrários, os quais não deveriam ser expostos como verdade absoluta. As duas principais linhas interpretativas podem ser divididas em liberal/fiscalista e constitucionalista.Vale ressaltar que existe uma infinidade de outros cálculos para a questão da previdência, os quais serão expostos  na medida do possível.

Portanto, o debate da previdência não pode se encerrar apenas na questão de dados demográficos e fontes de receita contributiva. A discussão como vimos, insere-se no tipo de regime de previdência e no tipo de Estado de bem-estar, variando a partir daí os procedimentos de criação e contabilização de receitas e despesas. 

Visão fiscalista

Esta visão tem como seu principal expoente Fábio Giambiagi, mestre em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da UFRJ, integrante do Departamento Econômico do BNDES desde 1996.

De maneira geral, a visão fiscalista parte de uma previdência baseada no regime de capitalização. Importante lembrar que este tipo de sistema não é adotado por quase nenhum país e não faz parte do estabelecido em nossa Constituição. A ideia central é que o benefício auferido por cada um seja proporcional ao montante de sua contribuição. Assim, caso um indivíduo receba mais do que tenha contribuído, conclui-se que este dinheiro estaria sendo retirado de outros contribuintes e, portanto, estaria configurada a injustiça. Giambiagi (2007), por exemplo, considera que o auxílo-doença seria simplesmente um seguro de graça, já que o trabalhador não paga nada a mais por este benefício Os estudiosos desta linha consideram que os beneficiários são, na sua maioria, da classe média urbana, que aposentam antes da idade mínima e auferem benefícios que contribuiria para aumentar a desigualdade social.

Assim, os fiscalistas não se prendem muito aos textos legais e constitucionais, ainda que algumas modificações recentes na legislação infraconstitucional tenham dado maior sustentação aos seus argumentos. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) através do seu art. 68 criou o Fundo do Regime Geral de Previdência Social que estabelece como fontes de receita:

"O Fundo será constituído de: I.  Bens móveis e imóveis, valores e rendas do Instituto Nacional do Seguro Social não utilizados na operacionalização deste; II.  Bens e direitos que, a qualquer título, lhe sejam adjudicados ou que lhe vierem a ser vinculados por força de lei;III. Receita das contribuições sociais para a seguridade social, previstas na alínea a do inciso I  [contribuição  social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada  incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos à pessoa física]  e no inciso II  [contribuição social do trabalhador e dos demais segurados da previdência social]  do art. 195 da  Constituição; IV.  Produtoda liquidação de bens e ativos de pessoa física ou jurídica em débito com a Previdência Social; V.  Resultado da aplicação financeira de seus ativos; VI. Recursos provenientes do orçamento da União". 
(§1°, Art. 68 da LEI COMPLEMENTAR nº 101/2000).

Assim, contribuições como COFINS e CSLL são rotuladas como transferências da União, metodologia que é empregada pelo INSS. Nesse sentido, para os fiscalistas, importante é medir as despesas previdenciárias e compará-las com as receitas. Estas, por sua vez, estariam restritas à contribuição do empregado e do empregador. 

Visão constitucionalista

Alguns nomes que adotam esta linha interpretativa são Denise Lobato Gentil, doutora em economia e professora da UFRJ; Eduardo Fragnani, doutor em economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp e técnico pesquisador do IPEA; José Celso Cardoso Júnior, doutor em economia no Instituto de Economia da Unicamp e técnico pesquisador do IPEA.


A visão constitucionalista parte basicamente dos textos Constitucionais, os quais configuram um sistema previdenciário de repartição simples, com responsabilidade solidária e tripartite. Segundo Ruprecht:

 "A Seguridade Social implica a aceitação da responsabilidade de toda a sociedade para garantir a segurança econômica a seus membros. Admitida a escolha de formas equitativas de financiamento, a seguridade social vem representar uma solidariedade que não significa um benefício, mas um direito de todos e para todos (RUPRECHT. 1996, apud MIRANDA, 2010)"

Segundo Vianna, 

"A opção pela expressão Seguridade Social, na Constituição brasileira de 1988, representou um movimento concertado com vistas à ampliação do conceito de proteção social, do seguro para a seguridade, sugerindo a subordinação da concepção previdenciária estrita, que permaneceu, a uma concepção mais abrangente. Resultou de intensos debates e negociações, e significou a concordância (relativa, na verdade) de diferentes grupos políticos com a definição adotada na OIT: seguridade indica um sistema de cobertura de contingências sociais destinado a todos os que se encontram em necessidade; não restringe benefícios nem a contribuintes nem a trabalhadores; e estende a noção de risco social, associando-a não apenas à perda ou redução da capacidade laborativa  –por idade, doença, invalidez, maternidade, acidente de trabalho  –como, também, à insuficiência de renda, por exemplo 10. (VIANNA, 2003, apud GENTIL, 2006, p.37)"

A origem dessas premissas se dá principalmente nos Estados de bem-estar, formados após a segunda Guerra Mundial. A chamada Era de Ouro por Hobsbawn, em que o consistente crescimento econômico, os traumas da guerra, a bipolaridade do mundo e seus confrontos ideológicos teriam levado a que os Estados capitalistas aumentassem a preocupação com questões sociais. Marshall (1967 apud Araújo 2004) explica que o seguro social apoiava-se numa nova contratualidade que diferia do seguro privado voluntário. Este tem receita proveniente do pagamento dos prêmios pelos segurados e da renda de suas aplicações, seguindo princípios de cálculo atuarial, à dimensão dos riscos. O seguro social, apesar de copiar a técnica atuarial, tem a sua contratualidade fundada em princípios de justiça distributiva e em decisões políticas. O caráter obrigatório do seguro social sob a égide do Estado rege-se pelos princípios da equidade e da justiça. No mesmo sentido Gentil (2006) argumenta que o preceito de equilíbrio atuarial contradiz a natureza da seguridade.

Mas a principal consistência argumentativa dessa linha não está em preceitos filosóficos e históricos, mas principalmente na Carta Magna do país. Assim, a Constituição da República teria definido claramente a seguridade social no art. 194 e o Orçamento da Seguridade Social e suas fontes de recursos no art. 165, parágrafo 5.

"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
5º. A lei orçamentária anual compreenderá: 
I- O orçamento Fiscal referentes aos poderes da Uniãos, seus fundos, órgão e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público;
II- O orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III- O orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público. (BRASIL, 1988)."

Assim, a partir da leitura desses artigos, fica claro que a previdência faz parte do sistema de seguridade social. Na verdade, constata-se que nem mesmo existe um orçamento da previdência, sendo qualquer tentativa de elaborá-lo baseada em legislações infraconstitucionais ou mesmo em arbitrariedades. Uma coisa seria elaborar estudos para verificar sustentabilidade do sistema caso ele fosse de capitalização, outra coisa é afirmar que nossa previdência é deficitária com base em premissas que são meras conjecturas abstratas. 

E a Constituição no seu art.195 estabelece quais serão as fontes de financiamento da seguridade social. Cabe salientar o seu enunciado: “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, e das seguintes contribuições sociais:”. Dessa forma, observa-se que o nosso sistema é tripartite, com contribuições do empregador, do empregado e do Estado, tendo um caráter solidário (uns contribuem mais que os outros e os benefícios não são necessariamente proporcionais ao volume da contribuição). As contribuições que financiam a seguridade social são as contribuições dos empregadores e trabalhadores à seguridade social (contribuição ao INSS), a COFINS, inclusive sobre importações, a CSLLe a receita de concursos de prognósticos. Gentil (2006) ressalta que o art. 195, além de estabelecer os recursos que financiarão a seguridade social, ainda estabelece que o governo poderá financiar a seguridade com recursos do orçamento fiscal. O inverso, porém, não é verdadeiro, contudo, os autores demonstram que é justamente o inverso que vem acontecendo.

Mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LeiComplementarnº 101/2000), a qual vimos anteriormente que legitima o discurso fiscalista, por outro lado, também  explicita  com clareza  que o  sistema  é  formado  pela contribuição dos três participantes – empregadores, trabalhadores e Estado. A Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, a chamada “Lei Orgânica da Seguridade Social” também reforça o já estabelecido pela Constituição e o artigo 17 e 19 desta mesma Lei atribui legitimamente ao Estado o repasse dos recursos oriundos da COFINS e CSLL, entre outras contribuições, além de permitir o pagamento dos encargos previdenciários com as contribuições (Cofins e CSLL) da seguridade social. Além da receita das contribuições sociais, financiam o Orçamento da Seguridade Social as receitas próprias dos órgãos que integram esse Orçamento. São receitas operacionais, patrimoniais, relativas à prestação de serviços, taxas pelo exercício do poder de polícia, entre outras. E, por determinação de sucessivas Leis de Diretrizes Orçamentárias – LDO, todas as receitas do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT passaram a integrar o Orçamento da Seguridade – antes apenas as receitas do PIS/PASEP eram lançadas.

Bibliografia: 

- ARAÚJO, Odília Sousa (2004). A reforma da previdência social brasileira no contexto das reformas do Estado: 1988 a 1998. Natal, EDUFRN- Editora da UFRN, 2004.

- GENTIL, Denise Lobato. A política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira: Análise financeira do período 1990-2005. 2006, 243 f. Tese (doutorado em economia). Instituto de Economia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2006. 

- LEI COMPLEMENTAR Nº 101, Lei de Responsabilidade Fiscal, 4 de maio de 
2000.

- MIRANDA, Andrey L. F. O déficit da Previdência Social: Análise comparativa entre as duas linhas metodológicas divergentes. 2012, 97f. Dissertação (mestrado em economia). Departamento de ciências econômicas – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.  Disponível em: <http://tcc.bu.ufsc.br/Economia292766>. Acesso em: 18 Out. 2012.

- GIAMBIAGI, Fábio. Reforma da Previdência: o encontro marcado. Rio de Janeiro, Ed. Elsevier. 2007