segunda-feira, 26 de junho de 2017

Atropelamento, assassinos e linchamentos. O que fazer?

Tendo em vista o recente ocorrido de um motorista passando por cima de vários skatistas, me suscitou indagações do que realmente pode ter ocorrido e me lembrou a meditação que fiz inicialmente aqui no blog.



Não é aqui minha pretensão apontar o dedo para os erros de cada um ou esclarecer o que realmente pode ter ocorrido. Acompanhei por alto a discussão no facebook e as mudanças de versões conforme novos vídeos foram surgindo (e como sempre a história do G1 também continua mal contada).

Acho realmente muito estranho alguém sair atropelando os outros gratuitamente, ainda que isso seja possível. Também é estranho um skatista sair atirando o skate no carro gratuitamente... Eu arriscaria a dizer que pequenos eventos foram se retroalimentando e aumentando a desconfiança dos envolvidos, talvez o motorista tirou uma fina imprudentemente de um, o outro foi tirar satisfação, até que o motorista foi dominado pelo medo e... bom isso é o que desenvolvo abaixo!

Enfim, espero que a polícia e a justiça façam seu trabalho da melhor maneira possível para esclarecer e punir, caso necessário.

Mas o que quero abordar é que, uma das ideias mais esclarecedoras que já estudei, foi essa lógica hobbesiana. Fundamentalmente ela diz que em ambientes de perigo, de ameaças potenciais, mesmo as pessoas mais honestas do mundo tendem a agir exatamente iguais aos psicopatas (ou qualquer outra coisa que as pessoas imaginam como a encarnação do mal). Isso é a princípio muito desconfortante, mas depois também é esclarecedor e às vezes reconfortante...(se desprender da moral irreal dos moralistas, principalmente os hipócritas como da nossa classe média, pode ser muito saudável).

É claro que existe uma possibilidade de agir diferente que é sacrificar a própria vida em nome da não violência e morrer cheio de "razão". Todavia, até mesmo essa saída, possui o notável inconveniente de ter consequências potencialmente desagradáveis para terceiros, como deixar um assassino matar toda sua família em nome da não violência.

Mas tirando essa notável exceção que geraria muitos outros debates de ética deontológica versus utilitarista, vamos lidar com o caso prático, onde podemos tentar imaginar como a maioria das pessoas reagiria. Melhor ainda, é cada um de nós tentar se imaginar como reagiria nas situações que descrevo:

1- Um motorista psicopata sai atropelando por raiva um monte de ciclistas. Aí a turba tenta cercar o carro, mas o condutor evade do local. Em seguida, você passa no quarteirão ao lado com um carro igual ao do psicopata. A turba te avista e corre para cima do seu carro. Chegam e começam a chutar e bater no carro. Alguns dizem que vão te matar porque você é um psicopata filho da puta. O que você faria nesse caso?

2- Você está um pouco apressado levando seu filho ao Pronto Socorro. Passa por uma multidão de ciclistas que fecham uma rua. Seu filho chora de dor. Você tenta lentamente avançar, sinalizando com buzina e pisca. Algumas pessoas da multidão encaram aquilo como uma afronta, afinal, no mês passado, um condutor embriagado agiu de maneira imprudente e acabou atropelando um companheiro de pedal. Todo mundo também anda revoltado porque a Justiça perdoou um caso semelhante a poucos meses. Com isso, mais e mais gente se indigna com o que encaram como nova ameaça e começam a cercar o carro. Afinal, se aquele carro resolver acelerar, realmente pode ser danoso para muita gente. Talvez, seja prudente impedir que isso aconteça...

Já seu filho fica cada vez mais assustado e começa a gritar e chorar. Você tenta avançar lentamente e cada vez mais pessoas cercam seu carro por medo que você seja imprudente e acelere. Você abre um pouco o vidro e alguém te xinga, ouve algumas ameaças e um chute na traseira. O que fazer?

3-  Você está de carro e está meio perdido sem saber em qual rua virar para chegar na casa de um amigo. Meio em cima da rua, você dá uma freada para convergir, mas um motociclista bate na sua traseira e voa sobre seu capô. Você para o carro e vai socorrer a vítima. Não há dúvidas que a culpa seja do motociclista, pois o de trás deve ter uma condução defensiva. Todavia, enquanto você chama a polícia e o resgate, chegam outros motociclistas. Estes, por sua vez, também andam cansados de verem seus companheiros acidentados. Um começa a te xingar, te chamar de imprudente, de assassino. Você se sente um pouco acuado e volta para o carro. Outro diz que o filho da puta tá tentando fugir sem prestar socorro. Você ouve alguém falando que merece uma surra. O que fazer?

Enfim, os exercícios para situações do tipo são infinitos. Relatei esses três, porque algumas delas vivenciei e presenciei. A grande questão por trás dessas reflexões é que situações potencialmente violentas não necessariamente envolvem pessoas violentas, perturbadas, assassinos em série ou o que quer que seja que as pessoas fantasiam como pessoas do mal. 

A violência pode ser uma reação absolutamente natural, esperada e até desejável por parte de pessoas que se consideram as mais pacíficas do mundo. E nem precisa que do outro lado exista um psicopata, podendo ser um Gandhi de um lado e uma madre Tereza de Calcutá de outro, que ainda assim pode haver uma situação explosiva.

A grande questão é que ninguém sabe se quem está do outro lado é potencialmente perigoso ou não. Se soubéssemos, as coisas seriam um pouco mais fáceis!! E na dúvida, talvez seja mais prudente tomar uma atitude defensiva. E muitas vezes a melhor defesa é o ataque. Então pé na tábua pode ser uma saída aceitável...E também pode ser uma saída aceitável impedir o motorista de prosseguir ou mesmo tirá-lo do carro para evitar que acelere... Pode ocorrer de AMBOS terem RAZÃO!

E de fato, quando as incertezas se avolumam e as desconfianças aumentam, pode-se esperar que o estado hobbesiano vai acabar por aflorar em todos os seres, pacifistas ou não...

E tudo vai se retroalimentando numa escalada explosiva e suicida, podendo ou não haver soluções. Pode um grupo eventualmente se impor, ou as guerras vão se sucedendo ou algum bom senso emerge por parte das forças mais representativas.

Hobbes propunha o Leviatã para ser a grande força a botar "ordem na casa". A questão é complexa e também foge da minha pretensão em enveredar por questões da ciência política. Acredito que o que há de construtivo nisso tudo é realmente imaginarmos se é possível solucionarmos essas questões com:

1- Dando armas para os cidadão de bem? (seja lá como será feita essa peneira) Ou seja, os skatistas e o motorista resolveriam a questão com armas na cintura. O mesmo vale para discussões em boates sobre quem mexeu com sua namorada...

2- Fazendo Justiça com as próprias mãos? Ou seja, cada grupo escolhe o alvo e bota fogo. No caso do inocente pego por engano, provavelmente a ele também seria permitido executar seus algozes. E se também cometesse um engano, outros o executariam e assim sucessivamente. Como todos já devem ter cometido sua dose de pecado e erros, talvez fosse mais sensato todo mundo dar um tiro na cabeça...

Enfim, eu não vejo melhor exemplo, para jogarmos fora qualquer ideia de armar a população ou outras bobagens apregoadas por Bolsonaros da vida (que vale registrar, o "mito" quer todo mundo armado, mas propôs um projeto de Lei para tirar o porte de armas de fiscais do Ibama, pois estes haviam multado ele por pesca ilegal).

Ao fim, a melhor forma de tentar lidar com essas questões são mesmo através do reconhecimento da Justiça como instância capacitada para lidar com a questão.

Todavia, se essa mesma Justiça não fizer por onde para lidar com casos do tipo, seja inocentando recorrentemente pessoas reconhecidamente culpadas, ou tratando diferentemente classes sociais, ou como faz o dito juiz Sérgio Moro, perseguindo à revelia da lei, apenas um partido e seu líder, por motivações e afinidades com outros partidos e punindo com base apenas em convicções, então, teremos mais elementos para potenciais situações explosivas, onde mais pessoas podem se sentir legitimadas a executarem seus próprios julgamentos.

E pode ser que ao fim, a moral e a honra sejam os motores da violência...

 


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