domingo, 12 de fevereiro de 2017

Curva de oferta e salário mínimo

Em qualquer curso de economia sempre é apresentada a famosa curva de oferta e demanda, que também vale para contratação de mão de obra. Eis como as curvas são apresentadas por Mankiw em seu livro Introdução à Economia:

No primeiro caso, o sacrossanto mercado cuida de deixar tudo equilibradinho, ou seja, o melhor dos mundos, pois não há desemprego e todo mundo recebe pelo preço "justo". E caso o "populista" governo queira implantar um salário mínimo, ele simplesmente estará distorcendo a perfeição dos mercados e causando desemprego. 

O segundo gráfico demonstra a distorção, pois com um salário mínimo mais elevado, a demanda por mão de obra (curva inclinada para baixo) ficará em uma patamar aquém da curva de oferta (curva ascendente), ocasionando o desemprego. 

E porquê a curva de oferta de trabalho é ascendente? Hora parte-se da premissa de que quanto maior o salário mais pessoas estarão dispostas a trabalhar e por mais tempo...

Bom, particularmente, confesso que nunca gostei muito dessas explicações, principalmente das premissas envolvidas. É possível que esse incômodo venha do mundo real, onde em quase toda parte exista a política de salário mínimo. Também sempre desconfiei das premissas. Todavia, por ser algo SEMPRE ensinado, também achava que as curvas de oferta e demanda eram algo superado, provado e constatado, não sendo passível de muitos questionamentos.

Pois bem, avançando nas minhas leituras, tenho constatado diversos questionamentos bem embasados, os quais também parecem muito mais adequados ao mundo real. Atkinson (2007) é um a problematizar algumas dessas premissas, argumentando que a curva de oferta de trabalho não é necessariamente retilínea, para cima, como normalmente se ensina nos livros de Introdução à Economia. Ele prevê a possibilidade da existência do seguinte tipo de curva de oferta.

Algumas suposições para este tipo de curva de oferta são assim resumidas pelo autor.

"Com salários baixos, as pessoas continuam trabalhando porque precisam muito do dinheiro. Mas, conforme o salário aumenta, elas conseguem melhorar a condição de vida e decidem que podem parar de trabalhar para ficar em casa com os netos. Assim, a curva da oferta de trabalho faz um desvio para trás. Porém, em certo ponto, o salário oferecido torna-se tão atrativo que as pessoas ficam tentadas a permanecer no trabalho, de modo que a curva retoma sua inclinação para cima. O ponto crucial é que pode haver mais de uma interseção entre as curvas de oferta e demanda. Existe mais de um salário que equilibra a oferta e a demanda. Isso evidencia um ponto que muitas vezes é negligenciado: pode haver mais de uma solução de mercado." (Atkinson, 2007, p. 300)

Dessa forma, os pontos A, B e C são possíveis soluções de mercado. Assim, se o salário mínimo estiver abaixo de A não haverá aumento do desemprego. O interessante é que se observarmos o histórico dos próprios países desenvolvidos, as evidências empíricas demonstram que a quantidade de horas de trabalho ofertadas por seus trabalhadores é bem menor do que nos países mais pobres, ainda que o salário oferecido seja muito maior. Nesse sentido, com salários mais satisfatórios, os trabalhadores dos países ricos se permitem trabalhar um número menor de horas ou entrar mais tarde no mercado de trabalho. E isso não soa razoável e até intuitivo? Ou as pessoas buscam trabalhar até morrer só para ganharem salários estratosféricos? Sabemos que existem essas pessoas, mas qualquer passagem por clubes, locais de descanso como retiros, pousadas, viagens internacionais, etc... percebe-se que a nata da sociedade gosta bem de curtir seu tempo de descanso/lazer.

Ademais, outro motivo para se aumentar o salário mínimo seria o incentivo que salários mais altos podem dar à própria produtividade. “(...) as empresas podem desejar pagar mais do que o salário reserva. Elas podem querer que seus funcionários sejam produtivos, e um salário mais alto pode ajuda-las a atingir esse objetivo.” (BLACHARD, 2007, p. 112). Ademais, o pagamento de maiores salários pode funcionar como um dispositivo para desencorajar os trabalhadores a largarem o emprego e, assim, evitar custos de recrutamento para o empregador. (ATKINSON, 2007). 

Eu ainda diria que a curva de oferta é vertical no seu início, pois a maioria das pessoas TÊM que trabalhar, independente da remuneração, mas aí já é outra história.

Bibliografia:

ATKINSON, Anthony B. Desigualdade: o que pode ser feito?. Tradução: Elisa Câmara – São Paulo: LeYa, 2015.

BLANCHARD, O. Macroenomia. Tradução: Cláudia Martins, Mônica Rosemberg. 4ª. Ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 5ª. Ed. São Paulo, Cengage Learning, 2009.