quarta-feira, 4 de abril de 2018

Por que Lula será preso?

É claro que o título é uma provocação, pois tirando o Romero Jucá, ninguém é profeta para taxar o que de fato vai acontecer. Aliás, nas ciências humanas, as próprias previsões têm o poder de alterar o rumo dos acontecimentos, o que se configura em um paradoxo. Um exemplo simples, como em Minority Report, seria o caso em que se prever um assassinato, pode levar os envolvidos a impedir que o evento aconteça...

Entretanto, não acredito que palpites sejam simplesmente como jogar uma moeda, pois uma análise das forças políticas envolvidas e os interesses dos principais atores permitem balizar as análises e chegar a especulações mais bem embasadas. Parte-se do pressuposto que os agentes não dão cavalo de pau em seus interesses e apesar de redesenharem estratégias, o fazem com uma racionalidade a permitir que continuem a perseguir o que acreditam serem seus interesses.

Assim, não vou me furtar a arriscar um resultado para o julgamento desse fatídico dia 04. Para fundamentar minha aposta trago abaixo minhas justificativas no melhor estilo xadrez do Luis Nassif.

Causas fundamentais para prender Lula

Bom, acho que vale a pena relembrar que as causas centrais da prisão do Lula não estão em crimes, menos ainda em provas, mas muito mais pelas políticas exitosas que ele representa, as quais vale a pena relembrar de forma resumida: 1) reduziu as desigualdades sociais em um ritmo e um nível nunca antes visto, isso enquanto no resto do mundo a desigualdade vem crescendo; 2) tirou o país do mapa da fome; 3) construiu Universidades e escolas técnicas às centenas, em todo país e com oportunidade para cotistas de escolas públicas e negros poderem ingressar em um ambiente quase exclusivo da elite; 4) Aumentou o salário mínimo consistentemente e acima da inflação; 5) Aumentou o índice formalização do emprego em quase 40%, ao mesmo tempo em que jogou no chão o desemprego; 6) colocou a dívida pública num patamar mínimo ao mesmo tempo em que construiu sólidas reservas internacionais.

E ninguém melhor do que o Jessé de Souza para correlacionar esses fatos com os impactos psíquicos e sociais nas camadas com algum nível de privilégio dentro da sociedade estamental brasileira. A fúria que tomou conta da classe média, nada mais é do que um pânico frente a percepções de mudanças posicionais das camadas sociais. Em resumo, não pioraram de vida, mas viram os debaixo aproximarem, o que lhes causou descontrole.

Pois bem, tudo isso já foi bem formulado por outros autores. Essas transformações propiciaram o caldo de insatisfação, o qual juntamente com um cenário de recessão no governo Dilma trouxe a tempestade perfeita para que os grupos com poder real pudessem usar os manifestoches a seu favor.

A cada dia fica mais claro que entre esses grupos se destacam os interesses americanos, a rede Globo e setores financeiros e empresariais mais atrelados a grupos estrangeiros. Já os empresários médios, corporações profissionais e setores agrícolas parecem ter ido à reboque do caldo formado, cada qual esperando tirar uma casquinha a seu favor, principalmente através do desmonte dos direitos trabalhistas e sociais. Se não bastasse, aqueles empresários que cresceram durantes os governos petistas foram em sua maior parte para a cadeia, levando ainda a Petrobrás, a principal empresa indutora do crescimento do PIB, para o centro da operação dita de combate à corrupção.

Estratégias e interesses para prender Lula

Dessa forma, os interesses dos agentes estão dados e não parece ter sofrido grandes mudanças nos tempos recentes. Vale ressaltar que é possível dizer que alguns desses agentes estão a atacar os próprios interesses de longo prazo, pois acabar com a principal estatal do país e participar de uma politica totalmente entreguista, prejudica os próprios interesses de longo prazo de alguns desses grupos. Mas por ignorância e estreiteza política, cada qual acredita piamente que estão a construir a redenção de seus grupos e que o petismo se constituía em uma ameaça real contra eles, devido aos devaneios de “perigo vermelho”, de bolivarianismo ou coisa que o valha.

Assim, a todos esses grupos, aqueles que o Jucá revelou como o grande acordo nacional, com o supremo, com tudo, interessa acabar de vez com o lulismo e qualquer ameaça de seu retorno, o que envolve tentar matar tanto sua influência simbólica, como a viva!

Percebam que ainda que o PT só falasse para o povo de 2 em 2 anos, durante os 60 dias anteriores às eleições locais e nacionais, o PT tinha se tornado invencível eleitoralmente nas presidenciais. 2014, então, foi o marco dessa constatação, pois foi quando todas as armas foram usadas e ainda assim a direita perdeu... Dali em diante, os golpistas viram que as regras tinham que ser mudadas, para que nunca mais a esquerda voltasse ao poder. O golpe deriva disso...

Entretanto, mesmo com a derrubada de Dilma, a ameaça maior continuava viva fisicamente, politicamente e simbolicamente, mas num patamar muito mais baixo que nos bons tempos. O problema é que a estratégia para derrubar o petismo jogou junto na lama todo o mundo político, o que deixou o Lula com boas condições de se eleger, ainda que com altos níveis de rejeição…
Constrói-se então a condenação e inelegibilidade do Lula...Para diminuir os riscos, propõem ainda a redução do tempo do horário político e um estranho cadastro biométrico, a aparentemente deixar de fora grande contingente do eleitorado lulista.

Por muito tempo, quase todas as pessoas com quem eu conversava, acreditavam que o objetivo era apenas tornar o Lula inelegível, pois apostavam que uma prisão seria muito traumática. Sempre desconfiei dessas análises, pois não acreditava em trauma nem comoção, nem entendia o porque dos golpistas deixarem de fazer o que tinham condições de fazer. Afinal, para que arriscar apenas expulsar o principal atacante se você pode amarelar o time todo, inventar impedimentos e deixar os adversário chutarem a canela?

Em post anterior, com o título “Corra Lula, Corra, discorri sobre o maior trunfo do Lula, que é seu carisma e capacidade de oratória, o qual só pode se manifestar por meio presencial ou audiovisual. Assim, para que deixar um Lula livre indicando um sucessor, se eles podem deixar ele preso e incomunicável??? Por isso, defendi a opção do exílio, pois o golpe se já vinha demonstrando ser demasiado profundo e não valeria a pena entregar o rei por meros caprichos de suposta covardia...

E do ponto de vista dos golpistas, meu entendimento é que a prisão do Lula seria a estratégia mais acertada para quem quer se manter no poder e minimizar os riscos. Um Lula livre, mesmo que condenado, pode indicar mais facilmente seu sucessor e preparar discursos conforme se encaminham as disputas do primeiro e segundo turno…

Por isso que apostei e continuo apostando que o Lula será preso e impossibilitado de participar ativamente das eleições de 2018, não só como candidato, mas também como cabo eleitoral.

Interesses em não prender Lula

Mas nem tudo conta em seu desfavor, pois existem algumas variáveis em favor da não prisão do Lula. Todavia, nenhuma delas diz respeito à letra da Lei, claramente estabelecida na Constituição e inteiramente favorável ao Lula. Vamos acordar que Leis não valem de nada no jogo político atual…
E quais são essas variáveis? Ora, a mais fundamental delas é que a prisão em segunda instância não interessa a alguns dos grupos parceiros do golpe, principalmente seus protagonistas do campo político, como Temer e vários membros do PMDB e em menor medida o próprio PSDB. A guinada do principal representante dos tucanos no STF demonstra a boa fundamentação dessa tese.
Assim, acredito que na votação das ADC”s da prisão em segunda instância, esta possibilidade será revista para o bem da Constituição e dos parceiros do golpe. Carmem Lúcia sabe disso e não é por outro motivo que sentou sobre essa pauta e colocou em votação apenas o Habeas Corpus do Lula, este sim um pouco mais fácil de cair.

Então, para os golpistas, a estratégia que considero mais racional para eles, seria recusar o habeas corpus de Lula. Dessa forma, o maior presidente que esse país já teve ficaria preso para tentar desconstruir mais de sua popularidade e ao mesmo tempo lhe tirar o trunfo de ser cabo eleitoral. Enquanto isso, para “desprazer” dos que defendem que o Lula não deva ter tratamento privilegiado, seu processo teria o “privilégio” da celeridade no STJ, como em todas as instâncias anteriores. Eis que quando condenado em terceira instância, a Carmem Lúcia resolve pautar as ADC dos habeas corpus. Agora com Lula já condenado em terceira instância, decide-se por revogar a culpabilidade em segunda instância. Assim, todos se salvam, especialmente tucanos e medebistas…

Essa seria minha aposta maior, arriscaria três contra um!!

Ainda assim, acredito que outro fator pese em favor do Lula e explique os possíveis votos de Gilmar Mendes e seu novo fiel escudeiro Toffoli. A estratégia anterior de somente Lula na fogueira e todos se salvando depende de um grande acordo nacional, com o supremo, com tudo, mas depende de um “tratado” a garantir que cada parte não “invada” o “espaço” da outra. Geralmente, tratados não se sustentam pela força do bigode e sim pela força das armas…

Assim, o mais curioso desse nosso golpe tupiniquim é que as forças golpistas parecem ainda não terem encontrado um ponto de equilíbrio entre elas mesmas. A artilharia contra o Aécio e o próprio Temer demonstrou o primeiro ponto de desavenças, o qual foi superado pelo fato do grupo de Temer saber usar as ferramentas de poder e através de ameaças recíprocas.

Mais recentemente, Barroso fez nova e estranha movimentação contra Temer… As causas dessas jogadas são de difícil especulação, mas demonstram fortes disputas internas entre os grupos golpistas, as quais podem vir a se acirrar após a condenação de Lula.

A verdade é que um Lula “enfraquecido”, mas ainda livre e a “ameaçar” as elites, parece ser o único elemento de apoio comum entre os golpistas. Por isso, ao retirar ele da jogada, cada grupo terá que armar suas artilharias uns contra os outros, a fim de atirar primeiro ou tentar estabelecer um pacto por igualdade de forças. Contudo, parece que para o Temer não haverá muita saída, podendo ser ele a bola da vez após as eleições e derrotado o lulismo...Nesse caso, parece que um Lula livre poderia ser uma boa estratégia para aqueles que não querem ser a bola da vez…

Ademais, dar poder demais a grupos corporativistas, ao estado policial e ao Judiciário, não parece ser uma estratégia aprazível para os que estão no Executivo e Legislativo. A Ditadura de 64 demonstrou que antigos aliados rapidamente se transformam em inimigos...

Por fim….

Essa era minha última esperança numa vitória da Constituição, mas ainda assim a abraçava com descrença, pois acredito que o interesse de um Lula incomunicável é maior do que a possível tábua de salvação de alguns mdebistas ou tucanos.

Acontece que as últimas movimentações colocaram outras peças no tabuleiro. As diferentes declarações de membros do exército e especialmente do general Villas Boas demonstram que o golpe teve raízes ainda mais profundas e que a participação do exército só não foi de maior protagonismo, porque talvez não houve necessidade. As ameaças foram claras e não me parece muito crível que ministros partícipes ou cúmplices das diversas ilegalidades do Impeachment venham agora a querer peitar ameaças claras de quem tem a posse dos canhões.

Por isso tudo, acredito que a prisão do Lula é inevitável…

Mas espero errar e pagarei a conta na comemoração caso a Constituição seja respeitada nessa quarta dia 04/04/18.