É claro que o título é uma provocação, pois tirando o Romero Jucá,
ninguém é profeta para taxar o que de fato vai acontecer. Aliás, nas
ciências humanas, as próprias previsões têm o poder de alterar o rumo
dos acontecimentos, o que se configura em um paradoxo. Um exemplo
simples, como em Minority Report, seria o caso em que se prever um
assassinato, pode levar os envolvidos a impedir que o evento aconteça...
Entretanto, não acredito que palpites sejam simplesmente como jogar
uma moeda, pois uma análise das forças políticas envolvidas e os
interesses dos principais atores permitem balizar as análises e chegar a
especulações mais bem embasadas. Parte-se do pressuposto que os agentes
não dão cavalo de pau em seus interesses e apesar de redesenharem
estratégias, o fazem com uma racionalidade a permitir que continuem a
perseguir o que acreditam serem seus interesses.
Assim, não vou me furtar a arriscar um resultado para o julgamento
desse fatídico dia 04. Para fundamentar minha aposta trago abaixo minhas
justificativas no melhor estilo xadrez do Luis Nassif.
Causas fundamentais para prender Lula
Bom, acho que vale a pena relembrar que as causas centrais da prisão
do Lula não estão em crimes, menos ainda em provas, mas muito mais pelas
políticas exitosas que ele representa, as quais vale a pena relembrar
de forma resumida: 1) reduziu as desigualdades sociais em um ritmo e um
nível nunca antes visto, isso enquanto no resto do mundo a desigualdade
vem crescendo; 2) tirou o país do mapa da fome; 3) construiu
Universidades e escolas técnicas às centenas, em todo país e com
oportunidade para cotistas de escolas públicas e negros poderem
ingressar em um ambiente quase exclusivo da elite; 4) Aumentou o salário
mínimo consistentemente e acima da inflação; 5) Aumentou o índice
formalização do emprego em quase 40%, ao mesmo tempo em que jogou no
chão o desemprego; 6) colocou a dívida pública num patamar mínimo ao
mesmo tempo em que construiu sólidas reservas internacionais.
E ninguém melhor do que o Jessé de Souza para correlacionar esses
fatos com os impactos psíquicos e sociais nas camadas com algum nível de
privilégio dentro da sociedade estamental brasileira. A fúria que tomou
conta da classe média, nada mais é do que um pânico frente a percepções
de mudanças posicionais das camadas sociais. Em resumo, não pioraram de
vida, mas viram os debaixo aproximarem, o que lhes causou descontrole.
Pois bem, tudo isso já foi bem formulado por outros autores. Essas
transformações propiciaram o caldo de insatisfação, o qual juntamente
com um cenário de recessão no governo Dilma trouxe a tempestade perfeita
para que os grupos com poder real pudessem usar os manifestoches a seu
favor.
A cada dia fica mais claro que entre esses grupos se destacam os
interesses americanos, a rede Globo e setores financeiros e empresariais
mais atrelados a grupos estrangeiros. Já os empresários médios,
corporações profissionais e setores agrícolas parecem ter ido à reboque
do caldo formado, cada qual esperando tirar uma casquinha a seu favor,
principalmente através do desmonte dos direitos trabalhistas e sociais.
Se não bastasse, aqueles empresários que cresceram durantes os governos
petistas foram em sua maior parte para a cadeia, levando ainda a
Petrobrás, a principal empresa indutora do crescimento do PIB, para o
centro da operação dita de combate à corrupção.
Estratégias e interesses para prender Lula
Dessa forma, os interesses dos agentes estão dados e não parece ter
sofrido grandes mudanças nos tempos recentes. Vale ressaltar que é
possível dizer que alguns desses agentes estão a atacar os próprios
interesses de longo prazo, pois acabar com a principal estatal do país e
participar de uma politica totalmente entreguista, prejudica os
próprios interesses de longo prazo de alguns desses grupos. Mas por
ignorância e estreiteza política, cada qual acredita piamente que estão a
construir a redenção de seus grupos e que o petismo se constituía em
uma ameaça real contra eles, devido aos devaneios de “perigo vermelho”,
de bolivarianismo ou coisa que o valha.
Assim, a todos esses grupos, aqueles que o Jucá revelou como o grande
acordo nacional, com o supremo, com tudo, interessa acabar de vez com o
lulismo e qualquer ameaça de seu retorno, o que envolve tentar matar
tanto sua influência simbólica, como a viva!
Percebam que ainda que o PT só falasse para o povo de 2 em 2 anos,
durante os 60 dias anteriores às eleições locais e nacionais, o PT tinha
se tornado invencível eleitoralmente nas presidenciais. 2014, então,
foi o marco dessa constatação, pois foi quando todas as armas foram
usadas e ainda assim a direita perdeu... Dali em diante, os golpistas
viram que as regras tinham que ser mudadas, para que nunca mais a
esquerda voltasse ao poder. O golpe deriva disso...
Entretanto, mesmo com a derrubada de Dilma, a ameaça maior continuava
viva fisicamente, politicamente e simbolicamente, mas num patamar muito
mais baixo que nos bons tempos. O problema é que a estratégia para
derrubar o petismo jogou junto na lama todo o mundo político, o que
deixou o Lula com boas condições de se eleger, ainda que com altos
níveis de rejeição…
Constrói-se então a condenação e inelegibilidade do Lula...Para
diminuir os riscos, propõem ainda a redução do tempo do horário político
e um estranho cadastro biométrico, a aparentemente deixar de fora
grande contingente do eleitorado lulista.
Por muito tempo, quase todas as pessoas com quem eu conversava,
acreditavam que o objetivo era apenas tornar o Lula inelegível, pois
apostavam que uma prisão seria muito traumática. Sempre desconfiei
dessas análises, pois não acreditava em trauma nem comoção, nem entendia
o porque dos golpistas deixarem de fazer o que tinham condições de
fazer. Afinal, para que arriscar apenas expulsar o principal atacante se
você pode amarelar o time todo, inventar impedimentos e deixar os
adversário chutarem a canela?
Em post anterior,
com o título “Corra Lula, Corra, discorri sobre o maior trunfo do Lula,
que é seu carisma e capacidade de oratória, o qual só pode se
manifestar por meio presencial ou audiovisual. Assim, para que deixar um
Lula livre indicando um sucessor, se eles podem deixar ele preso e
incomunicável??? Por isso, defendi a opção do exílio, pois o golpe se já
vinha demonstrando ser demasiado profundo e não valeria a pena entregar
o rei por meros caprichos de suposta covardia...
E do ponto de vista dos golpistas, meu entendimento é que a prisão do
Lula seria a estratégia mais acertada para quem quer se manter no poder
e minimizar os riscos. Um Lula livre, mesmo que condenado, pode indicar
mais facilmente seu sucessor e preparar discursos conforme se
encaminham as disputas do primeiro e segundo turno…
Por isso que apostei e continuo apostando que o Lula será preso e
impossibilitado de participar ativamente das eleições de 2018, não só
como candidato, mas também como cabo eleitoral.
Interesses em não prender Lula
Mas nem tudo conta em seu desfavor, pois existem algumas variáveis em
favor da não prisão do Lula. Todavia, nenhuma delas diz respeito à
letra da Lei, claramente estabelecida na Constituição e inteiramente
favorável ao Lula. Vamos acordar que Leis não valem de nada no jogo
político atual…
E quais são essas variáveis? Ora, a mais fundamental delas é que a
prisão em segunda instância não interessa a alguns dos grupos parceiros
do golpe, principalmente seus protagonistas do campo político, como
Temer e vários membros do PMDB e em menor medida o próprio PSDB. A
guinada do principal representante dos tucanos no STF demonstra a boa
fundamentação dessa tese.
Assim, acredito que na votação das ADC”s da prisão em segunda
instância, esta possibilidade será revista para o bem da Constituição e
dos parceiros do golpe. Carmem Lúcia sabe disso e não é por outro motivo
que sentou sobre essa pauta e colocou em votação apenas o Habeas Corpus
do Lula, este sim um pouco mais fácil de cair.
Então, para os golpistas, a estratégia que considero mais racional
para eles, seria recusar o habeas corpus de Lula. Dessa forma, o maior
presidente que esse país já teve ficaria preso para tentar desconstruir
mais de sua popularidade e ao mesmo tempo lhe tirar o trunfo de ser cabo
eleitoral. Enquanto isso, para “desprazer” dos que defendem que o Lula
não deva ter tratamento privilegiado, seu processo teria o “privilégio”
da celeridade no STJ, como em todas as instâncias anteriores. Eis que
quando condenado em terceira instância, a Carmem Lúcia resolve pautar as
ADC dos habeas corpus. Agora com Lula já condenado em terceira
instância, decide-se por revogar a culpabilidade em segunda instância.
Assim, todos se salvam, especialmente tucanos e medebistas…
Essa seria minha aposta maior, arriscaria três contra um!!
Ainda assim, acredito que outro fator pese em favor do Lula e
explique os possíveis votos de Gilmar Mendes e seu novo fiel escudeiro
Toffoli. A estratégia anterior de somente Lula na fogueira e todos se
salvando depende de um grande acordo nacional, com o supremo, com tudo,
mas depende de um “tratado” a garantir que cada parte não “invada” o
“espaço” da outra. Geralmente, tratados não se sustentam pela força do
bigode e sim pela força das armas…
Assim, o mais curioso desse nosso golpe tupiniquim é que as forças
golpistas parecem ainda não terem encontrado um ponto de equilíbrio
entre elas mesmas. A artilharia contra o Aécio e o próprio Temer
demonstrou o primeiro ponto de desavenças, o qual foi superado pelo fato
do grupo de Temer saber usar as ferramentas de poder e através de
ameaças recíprocas.
Mais recentemente, Barroso fez nova e estranha movimentação contra
Temer… As causas dessas jogadas são de difícil especulação, mas
demonstram fortes disputas internas entre os grupos golpistas, as quais
podem vir a se acirrar após a condenação de Lula.
A verdade é que um Lula “enfraquecido”, mas ainda livre e a “ameaçar”
as elites, parece ser o único elemento de apoio comum entre os
golpistas. Por isso, ao retirar ele da jogada, cada grupo terá que armar
suas artilharias uns contra os outros, a fim de atirar primeiro ou
tentar estabelecer um pacto por igualdade de forças. Contudo, parece que
para o Temer não haverá muita saída, podendo ser ele a bola da vez após
as eleições e derrotado o lulismo...Nesse caso, parece que um Lula
livre poderia ser uma boa estratégia para aqueles que não querem ser a
bola da vez…
Ademais, dar poder demais a grupos corporativistas, ao estado
policial e ao Judiciário, não parece ser uma estratégia aprazível para
os que estão no Executivo e Legislativo. A Ditadura de 64 demonstrou que
antigos aliados rapidamente se transformam em inimigos...
Por fim….
Essa era minha última esperança numa vitória da Constituição, mas
ainda assim a abraçava com descrença, pois acredito que o interesse de
um Lula incomunicável é maior do que a possível tábua de salvação de
alguns mdebistas ou tucanos.
Acontece que as últimas movimentações colocaram outras peças no
tabuleiro. As diferentes declarações de membros do exército e
especialmente do general Villas Boas demonstram que o golpe teve raízes
ainda mais profundas e que a participação do exército só não foi de
maior protagonismo, porque talvez não houve necessidade. As ameaças
foram claras e não me parece muito crível que ministros partícipes ou
cúmplices das diversas ilegalidades do Impeachment venham agora a querer
peitar ameaças claras de quem tem a posse dos canhões.
Por isso tudo, acredito que a prisão do Lula é inevitável…
Mas espero errar e pagarei a conta na comemoração caso a Constituição seja respeitada nessa quarta dia 04/04/18.